Diamante. Na escala de dureza, que mede o quão resistente é um material, é, ou pelo menos era nos meus tempos de escola, o item a ocupar o primeiro lugar. Se este é o material mais duro do mundo, o mais resistente, qual o motivo de não construirmos pontes, que precisam ser resistentes o bastante para aguentar centenas de toneladas que passam sobre elas diariamente, de diamante? Seria uma maldade dos nossos governantes ou uma impossibilidade orçamentária? Acredito que você sabe de bate pronto qual é a resposta certa.
Uberização das coisas. Aquela pessoa que não encontra oportunidade no trabalho formal – por sua formação insuficiente ou por qualquer outro motivo – decide pegar um carro, moto (seu ou alugado) para participar do maior fenômeno de compartilhamento e deslocamento da história do capitalismo. Eles não têm relações trabalhistas com essas empresas. Mas, caso não tenham essa oportunidade, terão renda zero enquanto seguirão buscando um posto de trabalho com todos os benefícios de um “trabalhador protegido” no Brasil.
Possivelmente você leitor deve estar pensando que este que aqui escreve está falando de dois assuntos absolutamente desconexos, mas agora vem o momento em que tudo fica mais claro: qual o sentido de tornar o que é de concreto em algo de diamante? Será que não é tão claro em termos orçamentários que a praticidade de pedir um Uber, Rappi ou afins custa em margens minúsculas – ou mesmo inexistentes – para essas empresas e, não, não daria pra ser muito melhor que isso?
A precarização do trabalho é de fato um assunto sério e que precisa ser discutido. Porém, longe das ilusões tipicamente brasileiras de que uma mera canetada poderá resolver qualquer coisa. Aliás, pequena correção: ilusões californianas também.
Como fazemos para melhorar uma situação dessas? É aí que entra um dos maiores paradoxos possíveis: para evitar que as pessoas deixem de ter rotinas exaustantes em subempregos que não necessariamente as colocam no hall de “escolhidos pela proteção trabalhista”, é possível (e já está ocorrendo) vermos a automação de funções mais operacionais. Por enquanto parece algo distante e focado em apenas alguma unidade de fast-food toda moderna que você tenha ido ultimamente, mas imagine o tamanho do efeito quando por exemplo carros e caminhões autônomos chegarem ao mercado.
A grande verdade é que a discussão atual foge do ponto real das coisas. Por enquanto, o maior foco está sobre a situação desfavorável daqueles que estão nessas posições do mundo das praticidades. O que praticamente não se fala é que deveríamos focar no reposicionamento das pessoas que serão substituídas com a automação. Como deve ser a educação do futuro para ficarmos na adaptabilidade diante de um futuro em que a inteligência artificial é cada vez mais capaz e não deve demorar muitas décadas para superar em completo o ser humano?
Outro ponto pouco comentado é o fato de que no ínterim entre a destruição de empregos pela tecnologia e a criação de novos postos, haverá uma quantidade imensa de pessoas que simplesmente não conseguirá se reposicionar no mercado. Novamente pense no exemplo dos caminhoneiros: já imaginou o que vai acontecer quando começarem a ser substituídos? O assunto “renda mínima universal” vai se tornar cada vez menos utópico e cada vez mais presente conforme os anos forem se passando.
Não encare esse artigo como uma volta ao redor do nada. Apenas para que ninguém se perca: não faz sentido focar em ampliar relações trabalhistas de empresas que mal têm margem para estarem abertas pelo mesmo motivo que não construímos pontes de diamantes – e o motivo é “não há orçamento suficiente para isso”. Ainda assim, não há como descartar que a questão da precarização das condições de trabalho precisa ser discutida com seriedade, o que é diferente de “vamos proibir qualquer meio de renda enquanto não for o modo que acreditamos ser o mais correto”.
A ideia aqui é defender a precarização do trabalho? É claro que não! Mas sim a racionalidade na discussão sobre algo tão sério e que tem sido levado na base da mera canetada irresponsável.
O futuro parece implacável e muito triste, mas apenas para quem não tem real consciência do quanto precisa estar preparado para se adaptar a ele. Socialmente falando, estamos focando em dar água com açúcar a um paciente que claramente está infartando. Quando será que vamos levar o paciente (a discussão sobre a precarização do trabalho) para o hospital de verdade?
Longe de mim querer propor soluções para o mundo. Só acredito que estamos na página errada. E, infelizmente, o livro vai se fechar mais rápido do que imaginamos para alguns (muitos) que supostamente estamos defendendo.
Caio Augusto, editor do Terraço Econômico, assina este artigo