
“Futebol e economia são duas das minhas maiores paixões”. Essa seria a frase com a qual eu iniciaria esse texto. Porém, ao escrevê-la, senti que ela não correspondia à realidade. Não pelo lado da economia, mas sim pelo lado do futebol. Minha paixão é pelo Flamengo, e o futebol é quase que secundário.
De qualquer forma, eu frequento estádios e acompanho as discussões futebolísticas desde que me entendo por gente. Uma dessas discussões, que ganhou mais destaque com o passar do tempo, situa-se na interseção com a economia: os preços dos ingressos para os jogos.
Em teoria, conforme eu aprendi na aula de Introdução à Economia, o preço deveria resultar do cruzamento da curva de oferta com a de demanda. Na realidade, porém, há muitas outras questões a serem consideradas. O demandante e o ofertante e, no caso, o torcedor e seu time de coração, têm uma relação de longo prazo, geralmente, vitalícia, com um forte componente emocional. Isso explica porque, em muitas ocasiões, os clubes optam por praticar um preço abaixo daquele que os torcedores estariam dispostos a pagar, abrindo margem para que agentes, os cambistas, se apropriem desse diferencial.
A bilheteria é uma fonte de receita muito relevante para os clubes. Assim sendo, ingressos mais caros ajudam o clube a fortalecer o time e, assim, satisfazer seus torcedores. Por outro lado, os torcedores não gostam quando o clube cobra um valor considerado exagerado pelos ingressos. Protestos são comuns, especialmente em jogos de maior interesse, como finais. Fora isso, há toda uma discussão sobre a elitização dos estádios e a percepção de que os torcedores de maior poder aquisitivo não incentivam o time da mesma forma que o chamado povão. Se isso for verdade, o aumento do preço dos ingressos tende a prejudicar a performance esportiva do time. São muitos fatores e equilibrá-los é dificílimo.
A questão do cambismo tem sido combatida com sucesso através do uso de biometria nos estádios, o que dificulta a revenda dos ingressos. Mas a discussão sobre os preços praticados segue sem solução. Pensando no caso do Flamengo e utilizando conceitos adaptados da economia, desenvolvi proposta buscando um equilíbrio entre os diversos fatores.
No modelo proposto, ao invés de o clube fixar o preço do ingresso em um dado setor, ele estipula um preço mínimo e uma meta de arrecadação. O torcedor, por sua vez, indica quanto estaria disposto a pagar por um ingresso, sendo esse um valor maior ou igual ao mínimo estipulado. A partir daí, a alocação dos ingressos disponíveis se dá por dois caminhos: o primeiro é semelhante a um leilão, contemplando todos os torcedores dispostos a pagar um valor igual ou superior a um determinado corte, e o segundo é um sorteio abrangendo os demais torcedores, no qual os contemplados pagarão o preço mínimo pelos ingressos restantes, sem a possibilidade de venda ou transferência.
Com esse mecanismo, uma parte dos torcedores paga mais caro para ter seu ingresso garantido, e esse adicional ajuda a subsidiar os ingressos a preço mínimo. No conjunto, o clube arrecada o que esperava. Quanto mais acirrada a disputa pelos ingressos, com ofertas a preços elevados, menos ingressos sairão pelo leilão, sobrando mais para e sorteio, ou seja, mais povão nos estádios.
Obviamente, um modelo de precificação completo precisaria abranger outros detalhes que fogem do escopo desse artigo, como a contemplação dos programas de sócio-torcedor. Esse arquétipo, entretanto, possui os elementos fundamentais para conciliar a sustentabilidade financeira dos clubes e o acesso democrático aos estádios. O desafio maior talvez seja convencer os dirigentes, do Flamengo e de outros clubes, a abrirem suas cabeças para soluções novas para velhos problemas, tendo consciência de que o maior ativo que um clube pode ter é sua torcida apaixonada e engajada.
João Marco Braga da Cunha
Economista