Renata Kotscho Velloso Saúde é a necessidade mais básica do ser humano. O poeta estava errado ao dizer que “é impossível ser feliz sozinho”. Isso é fácil, impossível é ser feliz sem saúde. Apesar da sua importância indiscutível, medir valor em saúde é algo bem mais complicado do que imaginamos. Thomas Lee, presidente do New England Journal of Medicine, a talvez a publicação científica mais respeitada na área médica disse que buscar valor na saúde é algo fundamental, e que ninguém que se opuser a essa ideia terá sucesso no longo prazo. Difícil discordar dele, mas como a gente mede valor na saúde? Michael Porter sugere usarmos o conceito de eficiência econômica. Nesse modelo, emprestado da microeconomia, o valor seria calculado por uma fórmula que medisse resultados de saúde obtidos por cada dólar (ou real) gasto. Mas como se calculam os resultados quando o assunto é saúde? Os estudiosos mais modernos sugerem que se use um modelo baseado nas necessidades do paciente visto como um todo e não apenas a partir da sua doença. Por exemplo, o paciente não está preocupado com o valor do seu colesterol ou da sua pressão arterial, uma vez que esses valores não afetam em nada o seu dia a dia. [caption id="attachment_4623" align="aligncenter" width="476"] Quanto você quer pagar?[/caption] O que os pacientes querem então? Basicamente três coisas: aumentar o tempo de vida, uma recuperação mais rápida e livre de complicações e a manutenção da qualidade de vida e do bem estar no longo prazo. Esses três parâmetros são fundamentais, mas claramente bem mais difíceis de serem mensurados do que a taxa de glicose no sangue. Isso mesmo sem abordarmos a dinâmica entre esses parâmetros, ou seja, valeria a pena por exemplo aumentar a duração de uma vida sem qualidade e bem estar? Um dos problemas, mencionado já em 1963 pelo ganhador do prêmio Nobel de economia Keneth Arrow e que ainda não foi solucionado é que quando o assunto é saúde os consumidores não têm informação suficiente para fazer boas decisões de compra. Quando o paciente avalia o valor dos serviços de saúde ele não consegue fazê-lo em termos objetivos, como ele avaliaria a compra de um computador, por exemplo. Vários fatores psicológicos, percepções e valores pessoais acabam sendo envolvidos. Vamos falar por exemplo do polêmico programa Mais Médicos implantado há dois anos pelo Governo Federal. Os usuários parecem que aprovam o programa[1] uma vez que estão sendo atendidos por médicos simpáticos e atenciosos. Já os médicos dizem que o programa é uma enganação e que sem remédios e estrutura não é possível fazer medicina.[2] Argumentam também que médicos mal qualificados acabam causando mais complicações do que trazendo saúde para os pacientes. Quem tem razão? O poder terapêutico da simples presença de um médico disposto a ouvir as queixas de um paciente está bem documentado na literatura médica[3], assim como também está provado que o erro médico é um problema grave e real e que médicos mal treinados estão mais sujeitos a cometerem erros[4]. Mas qual dessas hipóteses se sobressai nesse caso? A verdade é que não sabemos. O programa teve um orçamento de R$ 1,9 bilhão em 2014[5], esse seria o nosso denominador para avaliarmos o valor gerado pelo programa. Mas não temos nenhuma estatística que mostre quantas vidas foram salvas, em quantos dias diminuímos o tempo de recuperação das doenças, qual foi a redução (ou aumento) no número de complicações e muito menos qual o impacto desse investimento no bem estar da população no longo prazo, ou seja, estamos totalmente às cegas no numerador da nossa fórmula. Por esse motivo, podemos debater por horas, citar exemplos eloquentes de ambos os lados e não chegaremos a nenhuma conclusão, pelo menos nenhuma conclusão minimamente científica. Tudo não terá passado de retórica política. Não basta sabermos quantas pessoas foram atendidas, quantos exames foram solicitados, quantos medicamentos foram prescritos ou mesmo como melhorou a relação do número de médicos/habitantes em áreas remotas. Tudo isso é gasto. Se esse investimento está gerando ou não valor é uma incógnita. Mais difícil ainda é avaliar se não estaríamos gerando mais valor se esses recursos fossem aplicados em outras iniciativas, como por exemplo trazendo mais tecnologia para a prática médica. [caption id="attachment_4624" align="aligncenter" width="485"] Renata Kotscho Velloso, administradora, médica e pesquisadora em Stanford. Só isso.[/caption] O fato é que mesmo em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos os sistemas de saúde estão começando agora a entrar na era da informação. Não é possível medir valor em medicina se boa parte da informação médica continua em papel, acumulando pó nas pastas dos consultórios médicos e dos hospitais. O caso é tão sério que a gente não consegue medir direito nem os valores gastos, quanto mais os resultados obtidos. Em praticamente todos os países o custo da saúde é dividido entre governo, indivíduos e seguradoras. Quem é responsável por cada fatia dos recursos é baseado em um sistema complexo, que não raro acaba sendo decidido na justiça. Independente de todos esses problemas citados, precisamos urgentemente enfrentar essa desafio para buscarmos valor real na saúde. Estamos gastando cada vez mais e obtendo resultados desanimadores. Já passou da hora de mudar essa dinâmica. Mas o que podemos fazer agora? Um artigo muito interessante (https://hbr.org/2013/09/getting-real-about-health-care-value) escrito por David Blumenthal e Kristof Stremikis para a Havard Business Review sugere as seguintes medidas no curto prazo:
- Definir indicadores de valor práticos e mensuráveis para a saúde. Para tanto é necessário um debate amplo que inclua todos os atores do setor liderados por alguma instituição desinteressada.
- Investir no desenvolvimento de sistema eletrônicos que possam registrar e analisar esses dados, levando sempre em conta a necessidade de garantir a privacidade dos pacientes.
- Definir modelos de remuneração para provedores de saúde (médicos, enfermeiros, hospitais, fabricantes de remédios e equipamentos) baseado em valor . Hoje remuneramos essas pessoas por gasto e não por valor gerado, portanto elas acabam sendo estimuladas a gastar cada vez mais e não em obter melhores resultados para os seus pacientes.
Renata Kotscho Velloso é formada em Administração Pública pela FGV e em Medicina pela Unicamp. Faz parte da equipe fundadora do Hilab, projeto baseado na metodologia de inovação em saúde da Universidade de Stanford e que tem como objetivo fomentar novas ideias para a saúde na América Latina.
[1] http://www.brasil.gov.br/saude/2015/08/populacao-medicos-e-gestores-aprovam-o-mais-medicos [2] https://www.epochtimes.com.br/artigo-presidente-crm-sao-paulo-critica-programa-mais-medicos/#.Vd4nrNNVhBc [3] J Gen Intern Med. 1999 Jan; 14(Suppl 1): S34–S40.doi: 10.1046/j.1525-1497.1999.00263.x PMCID: PMC1496869 Time and the Patient–Physician Relationship; David C Dugdale, MD,1 Ronald Epstein, MD,2 and Steven Z Pantilat, MD3 [4] J Health Care Finance. 2012 Fall;39(1):39-50. The economics of health care quality and medical errors. Andel C1, Davidow SL, Hollander M, Moreno DA. [5] http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/7779
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