Ruptura no Terraço #6

Ruptura no Terraço é uma colaboração de conteúdo entre The Shift, a plataforma de jornalismo de dados da ÍON 89 e Terraço Econômico. Neste espaço a disrupção tecnológica, especialidade da primeira, se une aos temas do segundo: economia e política.

Hora de trocar orelhões por banda larga

Enfim, o Congresso aprovou o PLC 79/2016, que moderniza o ambiente jurídico e regulatório do setor de telecomunicações brasileiro. O texto, que aguarda sanção presidencial, permite que as atuais concessionárias – Oi, Telefônica/Vivo, Embratel (Claro), Algar e Sercomtel – optem por transformar as atuais concessões de telefonia fixa em autorizações de serviço, e que investimentos obrigatórios em soluções obsoletas, como orelhões, passem a ser usados para ampliação do acesso à Internet.

O acordo que viabilizou a aprovação pelo Senado prevê a apresentação de um novo projeto de lei para definir os critérios e prioridades de investimentos em banda larga a partir da conversão das concessões em autorizações. O que agradou as principais entidades dos provedores regionais de Internet (ISPs).

Comemorado pelo setor (assim como as operadoras e o setor de satélites, também a indústria celebrou a aprovação do PLC 79), o novo marco regulatório das telecomunicações abre a possibilidade para a renovação automática de radiofrequências e de direito de exploração de satélites, além da comercialização direta de espectro, permitindo o surgimento de um mercado secundário via negociação direta entre os detentores de outorga, com a supervisão da Anatel.

“Pé na porta” contra a ruptura não resolve

O prefeito de Nova Iorque, Bill De Blasio, que também disputa a vaga de candidato Democrata às eleições presidenciais norte-americanas em 2020, promete, se eleito, usar “força bruta” para parar o processo de automatização da força de trabalho nas empresas dos EUA.

Em um artigo escrito para a revista Wired, De Blasio alinhou as ações do seu plano para proteger os empregos dos trabalhadores dos EUA. Entre outras coisas ele pretende criar uma nova agência federal para supervisionar a automação e proteger empregos e comunidades; impedir que as empresas deduzam seus investimentos em automação dos impostos se gerarem desemprego; e criar um “imposto sobre robôs” a ser aplicado contra empresas que eliminam empregos por causa da automação.

O problema com De Blasio é achar que sanções pesadas contra as incumbentes vão garantir o emprego dos trabalhadores. Se não se transformarem, as empresas tradicionais, que hoje empregam um grande número de pessoas, correm o risco de perecer na briga contra nativas digitais que, sem o peso do legado, criam soluções disruptivas que mudam inexoravelmente a economia.

“De Blasio também é vítima de um dos erros mais comuns que as pessoas cometem quando pensam no futuro: ele imagina que ele se parecerá exatamente com o presente, apenas automatizado”, escreve Kaila Colbin, membro da Boma Global, rede de especialistas em tecnologias exponenciais. “Não foram robôs que reduziram os empregos nos hotéis disruptados pelo Airbnb, por exemplo”.

Azeem Azhar, autor da newsletter Exponential View, também escreve sobre o plano de De Blasio: “concentrar-se apenas nos trabalhadores que perdem seus empregos por meio da automação é muito estreito… A mudança é mais do que automação. É a economia que está mudando”.

E contra esse fato, não há imposto que dê jeito. É necessário capacitar pessoas para os novos empregos, sem matar as empresas que poderão preservá-los. O futuro não é simples, é bem complexo, e quanto mais cedo olharmos essa complexidade de frente mais problemas vamos resolver.

Sim, você está sob vigilância da IA

Pelo menos 75 entre 176 países no mundo, incluindo o Brasil, estão implantando ferramentas avançadas de vigilância da IA ​​para monitorar, rastrear e vigiar os cidadãos com diferentes finalidades políticas – alguns legais, outros que violam os direitos humanos e muitos deles caem em um meio-termo obscuro, segundo um novo relatório do Carnegie Endowment for International Peace.

As democracias liberais são as principais usuárias de soluções de IA para vigilância. Mas, como esperado, governos em países autocráticos e semi-autocráticos são mais propensos a abusar da tecnologia. De modo geral, as aplicações mais comuns são plataformas de cidades inteligentes/cidades seguras (56 países), sistemas de reconhecimento facial (64 países) e policiamento inteligente (52 países).

A China é um dos principais impulsionadores da vigilância feita por soluções de IA ​​em todo o mundo. A tecnologia vinculada às empresas chinesas – particularmente Huawei, Hikvision, Dahua e ZTE – equipa mecanismos de vigilância com IA em 63 países.

Somente a Huawei é responsável por fornecer a tecnologia de vigilância de inteligência artificial a pelo menos cinquenta países em todo o mundo.  Pequim subsidia compras governamentais de tecnologia de vigilância, particularmente na África, onde concorre com os EUA por influência, e no norte da Ásia, onde concorre com a Rússia e os EUA.

Os trabalhadores fantasmas da IA

Enquanto isso, na Venezuela, empresas que fornecem serviços de treinamento de Inteligência Artificial para carros autônomos, recrutam pessoas de classe média, empobrecidas pela gigantesca crise do país, para trabalhar remotamente em tarefas de “data-label” de imagens, garantindo que cada pixel seja identificado e portanto usado para treinar as habilidades visuais dos carros autônomos.

O movimento começou em 2018 e foi identificado  pelo Dr. Florian Alexander Schmidt, professor de design conceitual na University of Applied Sciences HTW Dresden e especialista em crowdsourcing e crowdwork. Schmidt publicou um paper no ano passado, que acaba de sair em inglês, sobre o uso de seres humanos no treinamento de veículos autônomos, executando tarefas bem menos nobres que a programação, e muito mais escondidas pelas empresas.

“Como mostra o estudo, 2018 teve um grande fluxo de centenas de milhares de crowdworkers da Venezuela se especializando nessas tarefas. Em algumas plataformas, esse grupo chega a representar 75% da força de trabalho”. A lista de empresas que atuam no uso de crowdsource humano para treinar IA inclui companhias como Mighty AI, Playment, Hive e Scale.

O professor Florian expõe novamente um dos lados obscuros da IA, que é o de explorar intensivamente mão de obra barata (ou muito mal paga e sem acesso a direitos básicos trabalhistas), para treinar plataformas e algoritmos. Um contingente de trabalhadores invisíveis que chega a 20 milhões no mundo todo.

São chamados de “ghost workers” (trabalhadores fantasmas)  pela antropóloga Mary L. Gray, do Microsoft Research, que, em parceria com o cientista da computação Siddharth Suri, escreveu o livro Ghost Work: How to Stop Silicon Valley from Building a New Global Underclass e abriu a discussão sobre esse lado perverso das tecnologias disruptivas que envolve não só a IA mas também as empresas da chamada gig economy (economia do bico), como Uber, Rappi, iFood e por aí vai. Que precisa continuar e esquentar.

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