Desde o dia 17 de novembro, a França convive com uma onda de protestos, alguns até violentos, motivados por aumento de impostos em combustíveis proposto pelo governo Emmanuel Macron. O encarecimento dos combustíveis somado à insatisfação com outras reformas promovidas pelo governo francês, como mudanças no sistema previdenciário e tributário do país europeu. Para aplacar os ânimos dos manifestantes, Macron desistiu de aumentar os impostos sobre os combustíveis.
A vitória dos revoltados foi vista, por intelectuais, analistas e brasileiros médios, como uma lição para os cidadãos tupiniquins: precisamos sair às ruas para lutar por nossos direitos. Aparentemente, houve um esquecimento das manifestações de julho de 2013, causadas pelo aumento das passagens de ônibus e acabaram virando atos de ojeriza à corrupção e ao sistema político. Ou ainda da greve dos caminhoneiros, de maio de 2018, que fez a Petrobras alterar a política de preços para o Diesel, obrigando o governo federal a conceder um subsídio bilionário.
No entanto, segue como principal grupo de resistência a qualquer medida de reforma do Estado ou ajuste fiscal o Poder Judiciário. Este grupo não usa colete amarelo, mas sim togas negras. E agem sem pudor no momento de vandalizar as contas públicas e dinamitar o aumento da eficiência do Estado. As intervenções vão desde as decisões de juízes de primeira instância obrigando prefeitos a fornecerem medicações de altíssimo custo até liminares de ministros do STF proibindo aumento da contribuição previdenciária de servidores públicos ou colocando mais etapas burocráticas nos projetos de privatização de empresas estatais.
Não é estranho esse comportamento, tendo em vista o gasto exorbitante do Judiciário brasileiro, cerca de 2% do PIB (quatro vezes a média de países membros da OCDE). Foi também o poder constitucional que mais elevou gastos com servidores públicos em 20 anos: aumento de 152%. Recentemente, fez lobby tanto no Executivo como no Legislativo para aumentar o salário de ministros do STF, elevando assim a remuneração para outros juízes, em 16,38%.
Isso sem contar os benefícios garantidos aos magistrados, entre os quais: carro oficial com motorista, auxílio-saúde, gratificação natalina, verbas de representação, auxílio-funeral, auxílio pré-escolar para cada filho, abonos de permanência e auxílio-alimentação. Em troca do aumento salarial, o STF determinou o fim do auxílio-moradia. Porém, já há movimentações para o retorno de mais esse benefício.
Caso o governo eleito decida por avançar na agenda de reformas estruturais, vai ter de enfrentar a fúria da principal corporação do Brasil. Reformar a Previdência, estabelecendo regimes iguais para servidores e trabalhadores do setor privado, extinguindo a aposentadoria com salário integral é algo que dificilmente será aceito pelas togas pretas, que farão de tudo para tentar derrubar essa mudança, seja evocando a ideia de “direito adquirido”, seja encontrando algum outro fato capaz de anular uma eventual aprovação da reforma.
Com o fim do imposto sindical e consequente perda de fôlego de sindicatos e centrais para organizar atos contrários às reformas, a principal fonte de oposição aos projetos virá da corporação mais poderosa do Brasil. Para defender os próprios interesses e privilégios, não medirão esforços, pouco importando a deterioração das condições fiscais e do ambiente econômico no país. Nesse sentido, a destruição que eles causarão será muito maior comparada àquela dos coletes amarelos na França.
Victor Oliveira Mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar). E-mail: ep.victor.oliveira@gmail.com.