Os cenários pós-aprovação da reforma da Previdência incluem um conjunto amplo de mudanças que ainda precisam ser feitas. Afinal, como já apresentado aqui anteriormente, a reforma previdenciária foi necessária, mas não é suficiente para resolver a miríade de questões do país, sobretudo do deficitário lado fiscal.
“Empresário foi patriota na Previdência, quero ver na tributária.” (Rodrigo Maia)
Dentre as reformas que mais terão impacto, está a tributária. Nosso balaio de gatos, digo, sistema tributário, é um dos mais complexos do mundo (ranqueado como 184 entre 189 países no relatório Doing Business, do Banco Mundial) e, além disso, um dos menos progressivos.
Por aqui, muitas vezes quem ganha mais paga menos, em termos proporcionais da renda de cada um. De modo a acertar os ponteiros deste departamento, existem propostas a respeito da tributação do setor produtivo (comércio, serviços e indústria), cujos modelos em pauta já discutimos por aqui.
Porém, há ainda uma questão mais delicada, até então não incluída em nenhuma das propostas em discussão no Congresso: há uma notável desigualdade de tributação em nosso país também em termos de renda, o que contribui certamente para a desigualdade que aqui observamos.
De acordo com pesquisa recente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Imposto de Renda cobrado na fonte tira de quem ganha acima de R$ 108 mil uma parcela semelhante à cobrada de quem recebe até R$ 6.780 – com base em uma alíquota progressiva, cuja máxima de 27,5% é cobrada a partir de R$4.664 mensais.
Isso ocorre porque isenções e alíquotas diferenciadas fazem com que a cobrança de Imposto de Renda de Pessoa Física pese mais para algumas faixas do que para outras. Nem toda renda é tributável, ou pelo menos não o é via Imposto de Renda (como o dinheiro oriundo de lucros e dividendos de empresas), enquanto outras fontes de renda são estruturadas de tal forma a reduzir o pagamento de imposto – como é o caso das famosas “PJs” (Pessoa Jurídica).
Tornou-se praxe no mercado, por exemplo, a proliferação de “freelas” ou mesmo associados em grandes escritórios de advocacia, em que o sócio nada mais tem do que o não recolhimento do imposto devido na fonte. Enquanto isso, a tributação focada na atividade produtiva das empresas ajuda a inibir novos investimentos.
Nesse contexto, uma proposta de autoria de Eduardo Braga (Senador do MDB/AM) sugere alternativas para uma reforma de tributação de renda no Brasil – reduzindo a tributação sobre a produção e alterando levemente a tributação sobre pessoa física, além de modificar a tributação sobre determinados tipos de investimento.
O texto já vem atraindo muitos críticos, a exemplo do “placar” da consulta pública, que demonstra resultados nada animadores (e segue aberta até o momento da publicação deste artigo). Vejamos, na prática, o que ela propõe:
Cria alíquota única para o imposto de renda da pessoa física, de 27,5% sobre rendimentos acima de R$ 4.990,00 mensais. Reduz para 12,5% a alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica e para 7,5% a alíquota adicional. Revoga a isenção sobre os dividendos recebidos de pessoa jurídica, inclusive de microempresas, criando alíquota de 15%. Revoga isenções na tributação do mercado financeiro e de capitais, relativas a vendas de ações, fundos de investimento imobiliário, títulos e letras de crédito. Revoga a dedução no imposto de renda da pessoa jurídica pelos juros pagos a sócio, a título de remuneração do capital próprio.
Atualmente, os mecanismos que seriam alterados funcionam da seguinte maneira: há uma tabela progressiva de Imposto de Renda que abarca todas as faixas de renda a partir de R$1903,99 (começa em 7,5% nesta faixa e, acima de R$4664,68, vai para 27,5%); o imposto de renda de Pessoas Jurídicas fica entre 10 e 15%, a depender do caso; e, sobre todos os outros casos (dividendos de pessoa jurídica, instrumentos do mercado financeiro como FIIs e LCI/LCA e juros sobre capital próprio), há isenção.
No fim das contas, haveria então uma tributação única e apenas para a maior faixa do IR na folha salarial, uma unificação em IRPJ e o fim de isenções em investimentos que ainda as tenham e nos dividendos de empresas.
É claro que essas mudanças não seriam a única e melhor solução para a natureza complexa e, muitas vezes, desigual do sistema tributário brasileiro – principalmente tendo em vista a também urgente reforma do sistema tributário produtivo. Porém, tributar a renda dessa maneira poderia ser uma forma de tornar o sistema um pouco mais equitativo – mesmo diante de mudanças quase nulas em termos de arrecadação.
Por fim, confessamos que não é sempre, mas que hoje devemos concordar com o Rodrigo Maia. Pode ser de fato fácil demais apoiar uma reforma cujos dados já provam por si só a necessidade; porém, quando envolve um assunto tão delicado quanto a tributação de renda, os “patriotas” já começam a desaparecer.
Liberais de verdade devem ficar atentos a isso, ou correm risco real de caírem na malha fina do patrimonialismo tradicional brasileiro.
Caio Augusto e Rachel de Sá, editores do Terraço Econômico, assinam este artigo.