Um voo sem volta

Você no Terraço | por Matheus Sesso

As perspectivas para 2015 não são as mais favoráveis. O Brasil sofrerá com crescimento negativo, inflação estourando o teto da banda estipulada pelo Conselho Monetário Nacional e cumprida pelo Banco central, além de escândalos de corrupção paralisando investimentos. Em momentos como esse, é comum haver uma polarização no país, aqueles que foram beneficiados pelo governo do PT de um lado contra a oposição, que recentemente tenta (em um movimento inédito desde 2002) tomar forma e posições claras, expondo seus ideais que pareciam inexistentes até então. Todo esse movimento culmina em algumas reflexões não desconectadas uma das outras: onde o país errou? Para onde vai? Por que ele se encontra tão polarizado?

Primeiramente dizer onde se errou é uma meta muito ambiciosa, houve no país um mix de politica monetária, fiscal e salarial totalmente descasadas. À parte disso, alguns fatos devem ser ressaltados: 1) O Brasil, como se sabe, é um país de baixa poupança e independentemente da ideologia (ortodoxo ou heterodoxo) a identidade “poupança = investimento” se sustenta; 2) Ao inchar a máquina pública o governo do PT drenou recursos escassos (poupança) para um setor de baixíssima produtividade (governo) e isso alterou a estrutura da economia. Houve, portanto, um deslocamento de capital de setores produtivos para um improdutivo; 3) O descompasso entre produção e demanda no Brasil foi mascarado enquanto o país se beneficiava da alta dos preços e demanda de commodities, importava-se muito a preços baixos suprindo a demanda que crescia com o ganho de renda do trabalhador. Com essas condições “climáticas” o avião Brasil decolou numa viagem só de ida e sem chegada.

Para voar é necessário combustível, boa estrutura e um bom piloto. Contudo, o país não contava com nenhuma dessas três características. Mesmo assim se tomou a decisão de partir e, logo na decolagem, havia entre os brasileiros um clima de esperança por dias melhores. Porém, durante o percurso, ocorreram algumas turbulências que demonstraram as fraquezas da aeronave. Entre elas, notaram-se problemas na estrutura: o nível e a qualidade do investimento eram baixos e, com isso, as asas pareciam que não iriam aguentar todo peso. Mesmo observando tais problemas, decidiu-se seguir em frente, enfrentando a turbulência das crises internacionais, evitando a queda da aeronave naquele momento ao acelerar e queimando mais combustível, ao invés de baixar a altitude.

Passado algum tempo surgiu outro problema: o consumo se mostrava um combustível de baixa qualidade e que por si só danificava as turbinas. Além disso, utilizou-se combustível em demasia para levantar vôo, reduzindo o volume armazenado no tanque. A aeronave se deparava com essas dificuldades num momento que se encontrava sobre o oceano, sem poder voltar a base e com tanque insuficiente para chegar ao destino final. O comandante decidiu então que voariam o máximo possível para que, depois que caíssem, os sobreviventes pudesse nadar até terra firme.

Para acalmar os passageiros que já começavam a suspeitar, ele sinalizou que tudo estaria bem e que nunca havia voado sob condições tão favoráveis em relação a clima, estrutura e combustível e dessa forma conseguiu se manter na posição de comandante. Mas passado algum tempo, o mal funcionamento da aeronave deixou claro que algo estava errado e o piloto sabia que deveria avisar a todos sobre o desastre que estaria por vir. Prontamente, procurou se esquivar da culpa, não reconhecendo que após notar os defeitos e fraqueza do aeroplano ele poderia ter remetido a base. Anunciou que existiam sabotadores dentro da nave, culpando-os pelo fracasso do voo, como se fossem capazes de afetar o nível, a qualidade do combustível ou até mesmo as asas da aeronave. Em tal momento, os passageiros começaram a culpar uns aos outros pelo que estava acontecendo e o avião se polarizou. Orquestrados pelo piloto a briga se tornou uma guerra e o interior do nave, seu o palco. A euforia das discussões entre os passageiros tirou o foco de atenção do problema real: a nave cairia de qualquer forma.

[caption id="attachment_3622" align="aligncenter" width="620"] As famosas capas da revista britânica The Economist[/caption]

É assim que o Brasil se encontra nesse momento. A nave está a beira de tocar a água mas continua-se estimulando a oposição de classes, como se essa briga levasse a algum lugar, como se pudesse recuperar as asas ou o combustível necessário para levá-lo até seu destino final, no caso, o desenvolvimento. É necessário um bom piloto para abrir os olhos dos passageiros. Mas qual o incentivo para isso se ele mesmo patrocinou o início de tudo?

Em momentos de fraqueza e incerteza a união se torna a melhor estratégia, afinal todos estão no mesmo avião e todos terão, após a queda, que nadar até terra firme. O sábio piloto é aquele que consegue unir os passageiros mesmo nas piores situações, de forma a diminuir os prejuízos causados pela queda. Mas o que se vê é justamente o oposto.

Então qual a solução? Seria o copiloto o mais capacitado para tal tarefa? Difícil saber. Porém, o fato é que o avião partiu para um voo sem volta. O piloto foi complacente com tudo isso não remetendo a base e ele deve no mínimo explicações aos que na nave estão. Isso por si só seria um bom começo para unir novamente os passageiros e atenuar o impacto da queda. Infelizmente, os mais fracos não chegarão até a terra firme, as perdas já são contabilizadas, a discussão não é mais sobre como evitá-las, mas sim como atenuá-las.

Matheus Sesso Economista pela Escola de Economia de São Paulo – FGV Mestrando da Barcelona Graduate School of Economics

 
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