Vamos revisitar James Dean?

A morte de James Dean completará 62 anos em 2017. Seu legado provavelmente sobreviverá por décadas a fio, conquistando corações e mentes enquanto houver juventude. Mas James Byron Dean, nascido em Indiana, em 8 de fevereiro de 1931 viveu muito pouco: apenas 24 anos.

Ícone de seu tempo, James Dean foi um sucesso meteórico de Hollywood. Em vida, viu apenas um de seus filmes em cartaz: Vidas Amargas (1955), baseado no romance de John Steinbeck, em que atuou no papel de Cal Trask. Suas atuações posteriores, em Juventude Transviada e Assim Caminha a Humanidade, apenas referendaram o papel de destaque que hoje lhe cabe na memória da humanidade. Dean, porém, não está presente no imaginário coletivo apenas por suas atuações, mas por sua máxima ecoada até hoje entre jovens do mundo todo: “sonhe como se fosse viver para sempre, viva como se fosse morrer amanhã”.

Engana-se quem pensa que morte e vida não são temas presentes na agenda de economistas. A PEC nº 287/16[1], que altera artigos da Constituição Federal dispondo sobre seguridade social, regras de transição e outras providências, por exemplo, não engendra apenas um debate fiscal, com vistas ao equilíbrio orçamentário de longo prazo do governo: também trata de escolhas sociais a respeito da cobertura, extensão e volume de pagamentos de benefícios através do sistema previdenciário, estas que dependem, em grande medida, de como a sociedade encara a transição da vida adulta à terceira idade.

Há de se comemorar que vivemos cada vez mais. Chegar às idades mais avançadas, outrora um privilégio de um grupo seleto composto pelos portadores dos melhores genes e por aqueles cercados das melhores condições ambientais para atingir tal feito, hoje é uma realidade para cada vez mais pessoas na população mundial. O modelo de transição epidemiológica proposto por Abdel Omran[2] é uma tentativa de explicar o fenômeno: o processo de modernização da sociedade leva a uma alteração consistente e regular em seu padrão de mortalidade, em que óbitos precoces, causados por doenças infecciosas e parasitárias, dão lugar a mortes em idades mais avançadas, decorrentes de doenças cardiovasculares, degenerativas e outras causas. Ainda, o prolongamento da vida de quem está no topo da pirâmide etária também é uma realidade: a medida que avança a medicina, vive-se mais e melhor também entre os idosos.

O que os números dizem a esse respeito no caso brasileiro?[3] Um indivíduo nascido no Brasil de 1940, teria uma expectativa de vida média de 45,5 anos. Fosse menino, seu horizonte estaria à volta dos 42,9 anos de vida, enquanto meninas teriam 48,3 anos pela frente. Em 2014, o quadro era completamente diferente: a esperança de vida ao nascer era de 75,2 anos de vida (71,6 para homens e 78,8 para mulheres). Isso significa dizer que, ao longo de sete décadas e meia, o brasileiro ganhou, em média, 29,7 anos de vida.

Mas isso não é tudo. Os ganhos em anos de vida também se aplicam a quem não está na base da pirâmide etária. Um indivíduo aos 65 anos de idade em 1940 tinha a esperança de viver 10,6 anos a mais. Em 2014, esse mesmo senhor viveria mais 18,3 anos, superando a barreira dos 80 anos de vida. Este fenômeno, combinado à queda na taxa de fecundidade da população brasileira, alterou profundamente a estrutura etária do país nos últimos anos.

A constatação óbvia de que envelhecemos não é linha de chegada, mas ponto de partida para uma série de questões a respeito do modelo de sociedade que iremos legar aos nossos filhos e netos. Ana Amélia Camarano e Maria Tereza Pasinato[4] fazem grande esforço para esclarecer o significado do envelhecimento brasileiro na agenda de políticas públicas. Seus resultados foram publicados pelo IPEA na coletânea Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60?[5], no ano de 2004.

Duas concepções distintas a respeito deste ator social – o idoso – são identificadas na literatura de economia e políticas públicas ao longo do tempo. Ao longo da década de 1990, quando a temática do envelhecimento passou a incorporar de forma mais expressiva o debate público nos países em desenvolvimento, a visão predominante frequentemente associava o idoso a dependência e problemas sociais. A “crise do envelhecimento”, então, aumentava cada vez mais o “peso econômico” sobre a população mais jovem.

Abordagem completamente distinta é a de que idosos são agentes ativos, capazes de contribuir para o bem-estar das famílias e da sociedade. Tal contribuição ocorre por meio da realização de atividade econômica, mesmo após a aposentadoria, do envolvimento com trabalho voluntário, de auxílio no orçamento familiar, do cuidado com os netos etc. A máxima dessa abordagem é expressa no artigo 6º do Plano de Ação Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento, publicado em 2002[6]: “quando o envelhecimento é aceito como um fim, o recurso a competências, experiências e recursos humanos dos idosos é assumido com naturalidade como vantagem para o crescimento de sociedades humanas maduras, plenamente integradas”.

Evidente que a resposta do Estado para essa concepção de idoso não é a inação. De modo diverso, a compreensão do idoso enquanto um agente ativo na busca pelo bem-estar social demanda de governos – ressalvadas as prioridades nacionais – um conjunto de políticas públicas integradas, capazes de abarcar setores tais como economia, seguridade social e mercado de trabalho, de modo a atender as necessidades deste grupo populacional, mantendo um grau razoável de solidariedade entre as gerações.

Torna-se um desafio, portanto, elaborar um sistema robusto de proteção social que compense os mais velhos pela eventual perda parcial de capacidade laborativa em idades avançadas, sem que isso prejudique a oferta de mão de obra qualificada de grande experiência e tampouco desencoraje a participação ativa de idosos na vida econômica de sua sociedade.

Refletir acerca do papel do idoso que queremos legar às gerações futuras é tema da ordem do dia, especialmente considerando a mudança demográfica pela qual tem passado o Brasil nos últimos anos. O debate acerca da reforma da previdência apenas reitera a importância dessa reflexão: enquanto instituição fundamentada na solidariedade entre gerações, suas premissas devem primar pelo pela consideração de interesses da população de forma ampla – dos mais novos aos mais velhos.

Acima de tudo, é preciso revisitar James Dean. Enquanto o horizonte dos sonhos se alonga cada vez mais diante dos olhos, viver como se fosse morrer amanhã (felizmente) se parece apenas com um mundo distante. É preciso amadurecimento institucional para se adequar à nova realidade, já que o passado é uma roupa que não nos serve mais.

Gabriel da Silva Farias – Estudante de Ciências Econômicas na Universidade Federal do ABC

Notas:

[1] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2119881

[2] OMRAM, A. R., 1971. The epidemiologic transition: a theory of the epidemiology of population change. Milbank Memorial Fund Quarterly, 49 (Part 1): 509-538.

[3] Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade/Tabuas_Completas_de_Mortalidade_2014/notastecnicas.pdf

[4] CAMARANO, A; PASINATO, M. O Envelhecimento Populacional na Agenda de Políticas Públicas. In: CAMARANO, A. (Org.). Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004.

[5] Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5476

[6] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Plano de ação internacional contra o envelhecimento, 2002/ Organização das Nações Unidas; tradução de Arlene Santos. –– Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003. — 49 p. : 21 cm. – (Série Institucional em Direitos Humanos; v. 1).

Sair da versão mobile