Você no Terraço | Por Laerti Simões de Oliveira
Se mil pessoas querem se manifestar em uma praça, que comporta somente estas mil pessoas, e estão repartidas igualmente nas opiniões, é justo separar espaços iguais para cada metade: quinhentas pessoas de cada lado. Aí a igualdade e a proporção se equivalem: duas partes iguais com espaço físico igual de manifestação.
Mas se duzentos milhões de pessoas querem se manifestar na mesma praça, sendo que 3/4 delas são de opinião oposta à do outro 1/4, e só há espaço para mil pessoas, é claro que o grupo com três vezes menos pessoas do que o outro terá mil para ocuparem a metade do espaço; o outro grupo, três vezes maior, mandará mil pessoas para ocuparem a outra metade da praça.
Ao final da manifestação as imagens da praça mostrarão o espaço totalmente lotado, completa e igualmente dos dois lados, pelos que são contra e pelos que são favoráveis.
Os “intérpretes” de imagem, ignorando as circunstâncias que conduziram a isto, replicarão a cântaros e a todos os cantos que o povo estava DIVIDIDO: metade a favor e metade contra. Qualquer decisão sobre o assunto será havida como justa, porque havia divisão em partes iguais e prevaleceu uma delas.
Aí a diferença elementar entre igualdade e equidade, o absoluto e a proporção. É como colocar 500 estupradores, de um lado, e 500 vítimas deles, de outro, para que se manifestassem em praça pública, onde só cabem mil, para decidir, na imagem, sobre o que fazer com os crimes praticados pelo primeiro grupo.
Tudo isto sem contar que, no caso das manifestações acerca do impeachment da presidente Dilma, o que se discute é se o conjunto do governo mafioso deve permanecer no governo ou sair dele. Ela e seu antecessor integram, como música e melodia, o conjunto criminoso dos agentes do poder assaltantes dos cofres públicos e dos valores regentes da administração pública, da eficiência fiscal, competência na economia e justiça social.
Os que pagam esta conta, vítimas do Estado-ladrão, vão às manifestações por conta própria. Além disto, ainda pagam o custo do deslocamento e alimentação dos seus contrários, porque os que serão julgados surrupiaram o suficiente dos primeiros para também comprar a presença dos últimos.
E, para arrematar a desgraça, nem são os presentes na manifestação os que decidem, mas, sim, os que estão em salão em frente, no qual outros farão isto, como juízes: são ditos representantes da vontade da lei nacional protetora de todos os que estão do lado de fora.
Acontece que tais julgadores também são bandidos, quase todos, mas os processos deles são demorados e estarão em outras praças.
Os que julgam, no entanto, se o fizerem de modo a realmente afastar do poder os que assaltam o povo, assim o farão para terem disponíveis os cargos dos cassados e, ali, assenhorando-se do poder, farão o mesmo ou pior do que os apeados do governo faziam.
O que nos falta, para a democracia sair da teoria e tornar-se concreta é quase tudo.
A Itália iniciou um exemplo para o mundo na denominada “Operação mãos limpas”. Mas parou no meio e os que acusavam e julgavam os bandidos acabaram perseguidos e anulados. A bandidagem aprendeu novas formas de atuar e o país retornou à malandragem institucional e quase geral. Melhorou, mas já é o pior da Europa em corrupção. O Brasil, como está, é muito, muito pior do que a Itália.
O único modo de o Brasil retomar o rumo e manter-se no eixo do justo, do eficiente e praticar a equidade, em vez de igualdade tola para ilusão, é o de preservar, limpar e manter assim as suas instituições.
Basta notar o caso de Gim Argello, ex-senador preso hoje e que seria nomeado Ministro do Tribunal de Contas da União, nomeado por Dilma. Isto causou arrepios à época, porque quase uma dezena de processos tramitavam contra ele -inquéritos por variados crimes – perante o STF. O que o STF fez? O mesmo que faz com tantos outros: não julgou.
Muitos dos que hoje assaltam o país estão com processos pendentes no STF há anos e anos. Mas só foram presos por determinação de juízes de primeira instância, investigados pela PF e denunciados pelo Ministério Público Federal. Gim Argello é um.
Quantos são os que estão com os seus crimes dormindo nos escaninhos do STF e do STJ há anos e anos? E quantos bandidos não acabaram ocupando os bancos dos próprios tribunais? Foram afastados, vários, é vero. Mas nem sempre. Gim Argello poderia ser hoje um ministro do TCU: só não foi nomeado por reação de servidores, assustados com o descaramento do caso, e não porque o Judiciário fosse capaz de impedir tal absurdo a tempo e modo.
Também há acusações muito graves contra o próprio presidente do TCU, e nada acontece. E há ministro do STJ nomeado para aquela Corte por Dilma para libertar Marcelo Odebrecht, fato dito em delação de Delcídio Amaral, e continua lá, votando.
Enfim, em termos normativos a democracia brasileira é plena. A Constituição de 1988 é ideal; as leis civis e penais são também. Os órgãos e instituições, federais, estaduais e municipais estão adequados e devidamente normatizados. Não é necessário modificar coisa alguma, nenhuma norma ou regulamento é necessário. E por qual razão não funciona?
Falta expurgar, expungir, expulsar, tirar, de cada instituição, dos três poderes, os que não prestam. A omissão permitiu que tantos salafrários continuassem causando mal. Quase todos os piores larápios da nação já foram acusados antes, há anos, e nada se fez contra eles. O inferno veio daí. Nenhum capeta cresceria o rabo e afiaria o tridente isoladamente. O caldeirão quente da omissão encapetou demais os capetas. ESTE É O FATO.
Iniciar pelo governo federal, a partir da presidência, é essencial. MAS NÃO PARAR AÍ. É necessário tirar o vice, o vice dele, presidente da Camara, o vice dele, presidente do Senado, e os vices deles. E, ainda, tirar todos os eleitos que estão com processos amoitados no STJ ou STF, daí seguindo ladeira abaixo até chegar nos síndicos dos prédios. A impunidade, a partir dos pequenos ilícitos, é a chocadeira da corrupção no Brasil e no mundo.
Só não podemos dizer isto, o que está no parágrafo acima, aos demais. Agora não.
Devemos, então, dizer que bastará tirar os bandidos maiores, dos maiores cargos eletivos nacionais, e estaremos satisfeitos. Só assim os outros bandidos ajudarão o povo. Vamos manter segredo então.
Laerti Simões de Oliveira – jurista