Nobel 1971: Simon Kuznets | por Daniel Duque

1971: O Nobel para as Contas Nacionais

Simon Kuznets ganhou o Prêmio Nobel no ano de 1971 por sua contribuição empírica ao campo do crescimento econômico, que permitiu uma nova e aprofundada visão da estrutura econômica das sociedades. Além disso, seus estudos empíricos mostraram grandes relações econômicas até hoje discutidas, como a chamada “Curva de Kuznets”. 

Se hoje é possível discutir desenvolvimento, crises e conjuntura econômica, em grande parte isso se deve aos trabalhos realizados por Kuznets. Antes de sua contribuição à área, medidas de Produto Interno Bruno (o famoso PIB) eram suposições construídas muitas vezes sem rigor metodológico, e frequentemente com metodologias distintas entre os trabalhos. Não havia uma instituição governamental para coletar dados que servisse para o cálculo do PIB ou de quaisquer Contas Nacionais, e mesmo no setor privado não havia tal levantamento sistemático. Foi com o trabalho iniciado na década de 1930, e estendido por décadas, que Kuznets calculou a renda nacional em 1869, agrupando-a por setor, produto final e uso.

Kuznets era conhecido por ter realizado um dos trabalhos mais abrangente e meticuloso em relação a Contas Nacionais, a ponto de estabelecer o padrão no campo. No entanto, além de seu trabalho ter contribuído de forma determinante para a mensuração da própria economia dos países, Kuznets também cunhou o que ficou conhecido como um dos que identificou uma nova era econômica – que ele cunhou de “crescimento econômico moderno” – que começou na Inglaterra na última metade do século XVIII, se espalhando para o sul e para o leste – principalmente França e Alemanha – e, no final do século XIX, chegara à Rússia e ao Japão. Nesta era, a renda per capita aumentava cerca de 15% ou mais a cada década, algo que não havia acontecido nos séculos anteriores.

Simon Kuznets: Vida e Carreira

Simon Smith Kuznets nasceu em 1901, em Pinsk, no território atual de Belarus, mas cresceu em Kharkov, na atual Ucrânia – ambos territórios até então Império Russo. Ele imigrou para os Estados Unidos em 1922, seguindo seu pai, que tinha migrado 15 anos antes. Iniciou seus estudos universitários na Rússia, mas os terminou (realizando sua graduação, mestrado e doutorado) na Universidade de Columbia, tendo recebido o título de PhD em 1926. 

No ano de 1927, Kuznets ingressou no National Bureau of Economic Research (NBER) no qual trabalharia por mais de 30 anos, realizando diversos trabalhos com seu fundador, Wesley Mitchell. Ele também foi professor de economia na Universidade da Pensilvânia (1930-1954), Johns Hopkins University (1954-1960) e Harvard University (1960-1971), tendo sido ainda presidente da Associação Econômica Americana em 1954.

Enquanto estudioso de metodologia econômica, Kuznets era crítico a modelos simples usados na época baseados, por exemplo, em uma fase da experiência histórica. O economista argumentava que os dados do tema deveriam incluir informações sobre estrutura populacional, tecnologia, qualidade do trabalho, estrutura governamental, comércio e mercados, para serem capazes de fornecer um modelo preciso – o que sofria diversos desafios metodológicos à época.

Kuznets foi também Presidente do Comitê de Crescimento Econômico do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais (1949-1968), tendo trabalhado com a análise quantitativa comparativa do crescimento econômico das nações. Apresentando as estatísticas que ele mesmo havia formulado, desafiou o consenso econômico vigente ao mostrar quão pouco do crescimento do PIB poderia realmente ser atribuído à acumulação de trabalho e capital – até então as causas do desenvolvimento segundo a teoria econômica. 

Na extensão de sua tese de Doutorado em Columbia, o livro “Secular Movements in Production and Prices: Their Nature and Their Bearing Upon Cyclical Fluctuations” (1930), Kuznets identificou a relação dos ciclos de negócios a certos ciclos de longo prazo, cunhados pelo economista como ‘movimentos seculares secundários ‘ (atualmente denominados de “ciclos de Kuznets”). Sua principal contribuição foi descrever o processo de propagação de ciclos e localizar sua geração e continuação em defasagens e descontinuidades na resposta de um setor da economia a mudanças. Kuznets também propôs como fator chave de tais ciclos o crescimento da população, até então considerada uma variável meramente endógena, destacando sua relação com consumo, investimento, formação de capital, imigração e comércio.

Um dos trabalhos mais influentes de Kuznets, no entanto, foi o livro “Long-Term Changes in the National Income of the United States of America since 1870” (1951), que apresentava um grande compilado de estimativas acerca de grandes tendências sócio econômicas nos Estados Unidos. Foi a partir das extensões deste trabalho que o economista apresentou um dos conceitos até hoje mais discutidos sobre desenvolvimento econômico: a Curva de Kuznets. 

A Curva de Kuznets nasceu a partir da análise de uma série de 1913-1948 sobre o percentual de apropriação da renda dos mais ricos dos EUA, que o economista tinha acabado de construir e publicar em um livro volumoso e inovador (Kuznets, 1953). Anteriormente a este trabalho empírico, apesar de a distribuição de renda ter sido objeto de estudo teórico central no pensamento econômico, não havia ainda uma série de distribuição homogênea cobrindo um período tão longo. 

A série apresentada mostrava um declínio acentuado da desigualdade nos EUA no período de 1913 a 1948. Ainda que não houvesse dados para antes da criação do Imposto de Renda Federal, em 1913, havia uma premissa de que a desigualdade havia aumentado durante o século 19. Assim, surgiu a curva inversa em U, apresentada abaixo.

Obs: Valores meramente ilustrativos.

Kuznets postulava, portanto, a partir dos dados apresentados, que haveria uma relação de alta, seguida de queda da desigualdade conforme um país crescia. Para sustentar tal hipótese, além dos dados apresentados, o economista se apoiava em um modelo de dois setores: o agropecuário e o urbano/industrial. 

O desenvolvimento de um país se inicia, segundo Kuznets, com o aumento de produtividade dos trabalhadores quando migram do primeiro setor – atrasado e pouco tecnológico – para o segundo, mais moderno. Nesse primeiro momento, a disparidade de produtividade e rendimentos entre essas duas parcelas da população aumentaria a desigualdade, puxada pelo avanço das disparidades entre duas regiões populosas. 

No entanto, conforme a maior parte dos trabalhadores no setor agropecuário teria migrado para o setor urbano/industrial, com o país adentrando um nível médio de renda, os salários passariam a se homogeneizar, principalmente no segundo setor. Assim, o país continuaria crescendo, conforme os trabalhadores industriais continuariam experimentando ganhos de produtividade e, sem novos influxos do setor agropecuário, poderia ter seus salários crescendo e se homogeneizando entre estes. Como as disparidades setoriais importariam cada vez menos para a desigualdade total, uma vez que uma parcela cada vez menor da população permaneceria do setor agropecuário, a desigualdade começaria a cair. 

49 anos depois: Como a Ciência avançou

Ainda que a contribuição de Kuznets para as Contas Nacionais seja indiscutível na literatura econômica – com uso generalizado dos conceitos definidos por ele até hoje –, a hipótese da Curva de Kuznets foi muito discutida e também criticada. Piketty (2005), um de seus maiores críticos, argumenta que há duas falhas no argumento de Kuznets: primeiramente, argumenta-se que a queda da desigualdade ocorrida nos países desenvolvidos na primeira metade do século XX teria sido devida mais significativamente a choques de capital, principalmente com o aumento da carga tributária sobre os mais ricos, destinado a financiar esforços de guerra. 

Piketty ainda pontua que, mesmo que o componente tecnológico/estrutural da economia possa ter grande impacto sobre a desigualdade, tal fator teria grande interação com as instituições dos países, que pode impedir ou potencializar as pressões altistas e baixistas sobre a desigualdade. O economista ainda pontua que, para os países em desenvolvimento, os dados são muito mais limitados e, quando existe, mostram uma relação entre desigualdade e crescimento muito mais inconclusiva.

Já Milanovic (2016) propõe uma ideia de extensão da Curva de Kuznets, no que ele cunhou como “Ondas de Kuznets”. Segundo o autor, não haveria apenas um movimento de alta e baixa da desigualdade, mas de fato numerosos momentos do desenvolvimento econômico levariam a pressões altistas e baixistas sobre esta variável.

Uma última extensão da Curva de Kuznets foi a sua transposição para a relação entre desenvolvimento e meio ambiente. Tal hipótese sustenta que o desenvolvimento econômico inicialmente leve a uma deterioração do meio ambiente, mas após um certo nível de crescimento econômico, a sociedade começa a melhorar sua relação com o meio ambiente e reduz os níveis de degradação ambiental. Ainda que sofra de críticas tal como a primeira, essa ainda é uma das relações mais discutidas na economia.

Finalmente, poucos negam o grande impacto de Kuznets sobre as ciências econômicas e os estudos de desenvolvimento. Não apenas sua conceituação metodológica de diversos indicadores, como o PIB, das Contas Nacionais foram determinantes para toda formação dos estudos macroeconômicos posteriores. Além disso, suas estimativas históricas dos agregados econômicos permitiu inéditas análises sobre dados de longo prazo do desenvolvimento, levando a conceituação, por parte do próprio economista, de diversos conceitos sobre ciclos e relações entre diferentes variáveis. Não por outra razão que, quase 50 anos depois, seus argumentos ainda são discutidos em diversos debates sobre o desenvolvimento sócio econômico.

Daniel Duque

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Notas:

KUZNETS, Simon. Secular Movements in Production and Prices. Houghton-Mifflin, Boston and New York, 1930

KUZNETS, Simon. “Long-Term Changes in the National Income of the United States of America since 1870”, in Income and Wealth of the United States: Trends and Structure. International Association for Research in Income and Wealth, Income and Wealth, Series II, Bowes & Bowes, Cambridge (England), 1951

KUZNETS, Simon. Modern Economic Growth: Rate, Structure, and Spread, Yale University Press, New Haven, 1966 

MILANOVIC, Branko. Global inequality: A new approach for the age of globalization. Harvard University Press, 2016

PIKETTY, Thomas. “The Kuznets curve: Yesterday and tomorrow“, in Understanding poverty, p. 63-72, 2005.

Links Recomendados

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1971/press-release/

https://www.britannica.com/biography/Simon-Kuznets

https://www.econlib.org/library/Enc/bios/Kuznets.html

http://piketty.pse.ens.fr/files/oldfichiers051211/public/Piketty2005c.pdf

 

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