FISCAL POLICY: A revolução fiscal sueca

Suécia. Talvez no mundo nenhum país seja tão admirado e invejado por seus colegas quanto esse distante reino do norte. É um dos países mais ricos do mundo (em termos de PIB per capita [1]) e possui altíssimos indicadores sociais [2] . Qual país, afinal, não gostaria de ser uma Suécia?

Particularmente entre a esquerda progressista, o modelo sueco é vendido quase como uma forma de remédio milagroso. Eles colocam que a Suécia é um estado de bem-estar social funcional, com alto padrão de vida e excelentes indicadores econômicos. Isso serve, segundo eles, para desmistificar a “ilusão neoliberal” de que um estado de bem-estar social é necessariamente disfuncional e que o corte de “direitos sociais” é necessário para manutenção da prosperidade econômica [3] . No Brasil, especialmente, os progressistas gostam de colocar o modelo sueco como uma justificativa para o aumento ou manutenção de gastos públicos em áreas sociais, pontuando que a manutenção de prosperidade econômica não é justificativa para corte de gastos em áreas como saúde, previdência ou educação. Aumento de gasto sim, austeridade neoliberal não!

Todavia, o que poucos deles sabem é que nenhum país no mundo pratica, de forma tão fiel e rígida, a tão odiada “austeridade fiscal” do que a Suécia. Os suecos têm uma história de extrema devoção para com o princípio da responsabilidade fiscal ao ponto de terem rejeitado sediar uma olimpíada para poupar dinheiro dos pagadores de impostos [4]. Eles podem até ter uma das cargas tributárias mais altas do mundo, mas cada centavo é gasto com extremo cuidado e respeito para com o sacrifício de seus cidadãos [5].

O que os progressistas esquecem é que a Suécia quase quebrou uma vez. Após experimentos keynesianos de aumento de gastos públicos nas décadas de 1970 e 1980, que terminaram não gerando nenhum resultado em termos de crescimento, os suecos viram-se em um grave descontrole fiscal, com um endividamento chegando na casa de 110% do PIB. Em meio a um cenário de inflação crescente por senhoriagem, uma crise bancária e as ineficiências de seu estado de bem-estar social, os suecos elegeram o brilhante político liberal Carl Buildt [6] para realizar uma reforma econômica no estilo daquelas que estavam sendo realizadas na Alemanha por Helmut Kohl e na Grã-Bretanha por Margaret Thatcher. Para controlar seu cenário fiscal degradante, o governo sueco criou uma “constituição fiscal” (também conhecida como “teto de gastos”) para conter o descontrole dos gastos governamentais.

Nessa regra fiscal, chamada em inglês de Medium-Term Budgetary Framework (MTBF), o governo estabeceu como meta um superavit fiscal primário de 2% do PIB e essa mesma meta era tomada como base de cálculo do teto anual de gastos, onde o superavit poderia variar em 1% do PIB em relação à meta de superavit para permitir medidas contracíclicas em eventual recessão. Políticas expansionistas para previnir recessões em um período deveriam ser compensadas em outro período por medidas contracíclicas que aumentassem o superavit [7]. Além disso, uma âncora fiscal foi instituída impedindo o estado sueco de se endividar além de 35% do PIB; permitindo, entretanto, uma margem de variação de até 5 pontos percentuais [8].

Qual o resultado disso? A Suécia saiu de um dos maiores para um dos menores índices de endividamento (Dívida-PIB) da Europa, indo de 80% em 1995 para 41% em 2017. Durante o mesmo período o índice da Zona do Euro cresceu 87% e o da França sozinha cresceu 100% [9].

O Índice Dívida-PIB da Suécia, Estados Unidos, Alemanha, França e Zona do Euro no período 1995-2017. Fonte: Andersson e Jonung (2019).

Se poderia pensar que os suecos relaxaram suas regras fiscais com a Crise Financeira Internacional de 2008-2009. Não. Graças a suas finanças públicas bem equilibradas, a Suécia pode articular uma política fiscal contracíclica mais eficiente do que outros países que já vinham endividados antes da crise, gerando uma recuperação mais rápida do que a média. E, mesmo com essas medidas keynesianas, os suecos não revogaram as regras do teto de gastos, de forma que após a recuperação medidas contracíclicas foram adotadas segundo a MTBF para recuperar o superavit. 

Em verdade, pouco antes da crise o governo sueco deu um outra grande demonstração de responsabilidade fiscal. Em 2007 a Suécia criou uma agência semi-autônoma, o Conselho de Política Fiscal( finanspolititska radet), para garantir que as regras de superavit, teto e âncora fiscal sejam cumpridos e propor medidas corretivas caso o resultado real divirja. Segundo o Código de Conduta da Política Fiscal sueca, o Conselho deve agir como uma forma de “vigia fiscal” da política econômica sueca. Quando a política fiscal desvia do teto de gastos e das metas de superavit do MTBF, o Conselho deve reportar ao Parlamento esses desvios e fazer recomendações de ações corretivas. É uma forma escandinava e mais eficiente da nossa Instituição Fiscal Independente.

Alguns keynesianos mais linha dura poderiam olhar para isso com maus olhos. Eles diriam que, mesmo sendo uma atitude moral essa compromisso com a responsabilidade fiscal, a realidade é bem mais complicada e que regras fiscais tão rígidas teriam efeitos adversos sobre o crescimento econômico sueco, pois reduziria o produto da economia nacional por uma redução de demanda agregada via diminuição do gasto público. Mas será isso verdade? Os dados dizem que não. Como colocam Andersson e Jonung [9], o crescimento econômico sueco tem sido similar ou mesmo melhor ao registrado na Alemanha e nos Estados Unidos. Desde 1998 a Suécia cresce a taxas similares às dos Estados Unidos (com variações positivas de 0.3%) e bem melhor que a Alemanha (1% a mais na média).

Crescimento Econômico Sueco em Comparação com a Alemanha e os Estados Unidos no período 1990-2017. Fonte: Andersson e Jonung 2019.

 

Isso não deveria ser surpresa para aqueles mais familiarizados com a teoria econômica recente. O crescimento em longo-prazo não ocorre em função da política macroeconômica de incremento da demanda agregada, como pensavam os keynesianos clássicos, mas sim de melhorias nos fatores de oferta da economia; como qualificação de mão de obra, alocação de fatores mais eficiente entre mercados internacionais, facilidade de fazer negócios, etc. E a Suécia foi muito habilidosa em fazer isso. Graças às reformas de incremento da produtividade do governo de Buildt e seus sucessores, como a abertura comercial, os suecos experimentaram uma grande elevação de salários e melhorias em seus indicadores de inovação econômica [10].

Retornos em Investimento de Pesquisa & Desenvolvimento por País da OCDE. Fonte: OCDE 2007.

 

A maioria das pessoas, ingenuamente, acha que a riqueza da Suécia veio por causa do estado de bem-estar social. Mas um estado de bem-estar social não cria riqueza, ela só a redistribui. A riqueza é criada pelos agentes privados atendendo aos desejos desse soberano tirânico chamado de consumidor. E para criar essa riqueza eles precisam de um ambiente favorável para tanto. Se o governo do país em que ele vive é descontrolado, gastando mundos e fundos com estádios de futebol e estradas inacabadas por exemplo, ele sabe que alguém pagará por isso no futuro e não realizará os investimentos necessários para o crescimento do país. Isso é particularmente verdade com relação ao mercado financeiro, a instituição econômica responsável pela alocação de recursos intertemporais entre os capitalistas. Como coloca o próprio governo da Suécia [11], o segredo básico para um país próspero e dinâmico  é um governo responsável e uma economia livre. 

Notas:

[1] – http://statisticstimes.com/economy/projected-world-gdp-capita-ranking.php

[2] – https://data.oecd.org/sweden.htm

[3] – https://www.youtube.com/watch?v=cz0u2FH5Bnk

[4]-https://exame.abril.com.br/mundo/suecia-recusa-jogos-de-2022-para-nao-usar-dinheiro-publico/

[5]-https://www.government.se/government-of-sweden/ministry-of-finance/central-government-budget/the-fiscal-policy-framework/

[6] – https://en.wikipedia.org/wiki/Carl_Bildt

[7] – MERRIFIELD, John; POULSON, Barry. Swedish and Swiss fiscal-rule outcomes contain key lessons for the United States. The Independent Review, v. 21, n. 2, p. 251-274, 2016; 

[8]- CLAEYS, Peter. Rules, and their effects on fiscal policy in Sweden. Swedish Economic Policy Review, v. 15, n. 1, p. 7, 2008;

[9]-https://voxeu.org/content/fiscal-policy-no-free-lunch-lessons-swedish-fiscal-framework-fiscal-targeting

[10] – ERLANDSEN, Espen; LUNDSGAARD, Jens. How regulatory reforms in Sweden have boosted productivity. 2007, OECD Library;

[11] – https://sweden.se/business/how-sweden-created-a-more-stable-economy/

Sávio Coelho

Analista Financeiro e de Dados. Tem interesse nas áreas de teoria da firma, política fiscal e finanças quantitativas.
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