A bolha imobiliária chinesa

O poderoso conglomerado chinês de construção civil Evergrande tem dívida de US$ 300 bilhões e dá indícios de calote, o qual pode afetar principalmente o mercado de commodities e o mercado bancário e de investimentos, comprometendo seriamente o financiamento da economia chinesa e, consequentemente, impactando todas as economias do mundo.

A empresa, fundada em 1996, é a segunda maior no gigantesco mercado chinês e, fazendo até parte da lista Global 500 da Fortune, é uma das maiores companhias do mundo no setor imobiliário e de construção e tem poder de começar uma crise em todo o sistema financeiro global, como na Crise americana do Subprime, em 2008, iniciada com a falência do banco Lehman Brothers, crise qual teve origem no mercado imobiliário americano e acarretou problemas em todos os setores da economia.

O crescimento do conglomerado vem sendo patrocinado por um endividamento sem precedentes. O endividamento não é uma surpresa para empresas do setor de construção. O modelo de negócios de construtoras é baseado em endividamento para financiar projetos e aguardar o recebimento no decorrer de meses ou anos, conforme há o financiamento dos imóveis. Porém, a Evergrande possui mais de US$ 300 bilhões em débitos abertos, além da já demonstrada incapacidade de lidar com os juros sobre essa dívida.

Em agosto em 2020 a empresa já indicava sinais de que encontrava dificuldades para honrar seus compromissos quando pediu ajuda ao governo, indicando que não teria os fundos necessários para pagar as dívidas com vencimento em janeiro. Nesse caso a Evergrande conseguiu de um de seus investidores um aumento no prazo para pagamento de uma parte dos empréstimos.

Listada na bolsa de valores de Hong Kong, a empresa já perdeu cerca de 80% de todo o seu valor de mercado. E, além de ser uma ameaça gigantesca para a economia chinesa, é também uma ameaça aos mercados globais.

A construção civil é uma das forças fundamentais na geração de empregos e consequentemente na retomada da economia chinesa pós a pandemia, um colapso no setor compromete completamente a recuperação econômica chinesa, causando paralização de diversas atividades em todos os parceiros comerciais do gigante asiático.

Os empréstimos tomados pela Evergrande vieram de bancos e instituições financeiras chinesas. Um calote no setor pode causar insolvência de todo o sistema bancário e de financiamento chinês.

O setor é um dos principais consumidores de commodities em todo o mundo, como minério de ferro (que já acumula quedas vertiginosas no ano). Portanto, o primeiro impacto no mundo de um calote da Evergrande será nos mercados globais de commodities, nos países exportadores desses produtos, com certa força nos mercados emergentes, como o Brasil. Uma crise na recuperação econômica chinesa pode influenciar diretamente a nossa recuperação, já que a balança comercial brasileira, as exportações (que têm carregado de forma considerável nossa retomada), estão intimamente ligadas à continuidade do crescimento chinês.

Como na crise de 2008, com a intervenção do FED e sua aplicação de bilhões de dólares na economia americana para diminuir os efeitos da quebra do Lehman Brothers, é quase certa a intervenção direta do governo chinês no conglomerado e no setor de investimentos do país, injetando dinheiro e pagando as dívidas com seus próprios recursos.

Ao fazer isso, um governo cuja divida já supera bastante o seu PIB anual, somente indica mais intervenção estatal no mercado, trazendo mais insegurança e incertezas para as empresas privadas listadas por lá, mais do que tem demonstrado nos últimos meses ao afetar diretamente as decisões, políticas e investimentos das principais empresas de tecnologia do país.

A insustentabilidade do modelo imobiliário de crescimento e geração de empregos chinês há tempos vêm se intensificando, a Evergrande demonstra-se como um sinal mais evidente de algo de muito mais impacto para a economia e o governo chinês.

A crise demográfica e do envelhecimento é outro indicador que piora a cada ano nas análises da economia da potência asiática. Nenhum país do mundo está envelhecendo tão rápido e tem tanto potencial de afetar o seu desenvolvimento econômico quanto a China. Estima-se que em 2050 aproximadamente 30% da população chinesa estará acima de 60 anos (cerca de 490 milhões de pessoas, mais que todos os habitantes da União Europeia), ou seja, teoricamente fora da idade de capacidade produtiva no país.

Todos esses fatos e acontecimentos nos indicam as incertezas e forte imprevisibilidade sobre o futuro e a continuidade do desenvolvimento chinês e, por enquanto, só nos resta imaginar os impactos gigantescos que uma crise na segunda maior potência do mundo pode acarretar em toda a economia global.

 

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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