Falácias: 15 crimes contra a Retórica

Talvez a Retórica e a Dialética sejam um dos assuntos mais tratados em toda a filosofia. Possivelmente na mesma proporção em que são citados e discutidos falaciosamente.

Um pouco de Dialética

A Dialética possui diversas interpretações, quase uma para cada filósofo. Para Platão a dialética é um dos principais caminhos para a verdade. A discussão onde se questiona e através da argumentação chega-se à conclusão de onde enxergaríamos a verdade.

Já Aristóteles via a dialética como a elevação do diálogo, quando as discussões eram superiores e em busca de uma verdade maior, mas que, infelizmente, nunca poderiam ser provadas.

Immanuel Kant interpreta a dialética como um delírio. Kant defendia o questionamento do real e racional do modo imediato como é interpretado.

A Dialética Hegeliana talvez seja a mais estudada em tempos atuais. Georg Hegel dedicou boa parte de suas obras para tratar a dialética, tendo até termos próprios para ela. Hegel interpreta a dialética em três pontos fundamentais:

i) Tese: corresponde ao assunto tratado e questionado.
ii) Antítese: corresponde à definição detalhada ou negação da Tese.
iii) Síntese: corresponde a um resultado, uma nova interpretação dos fatos apresentados, uma nova visão da verdade que não era enxergada até então.

Um pouco de Retórica

A Retórica, diferente da Dialética, reserva-se à arte (alguns veem como ciência) de argumentar, discursar e persuadir. Aristóteles dizia, até, que a Retórica e Dialética eram opostas.

A linha tênue entre Retórica e Oratória, uma nascida da outra, seria o foco da retórica (grega) estar na argumentação e a da oratória (romana) ser a eloquência. A Retórica é dividida em:

i) Ethos: as técnicas e conceitos que o orador utiliza para convencer e influenciar o público sobre sua qualificação e dominância do assunto. Aspectos sociais, postura entre diversos outros fatores conscientes e subconscientes influenciam o ouvinte.

ii) Pathos: o uso de características que denotam emoção, fervor ou até paixão para influenciar o julgamento do ouvinte. Seguindo diversas técnicas para despertar esses sentimentos na plateia, manter a atenção e causar entusiasmo.

iii) Logos: a aplicabilidade e uso da razão, verdadeira ou não, para construir credibilidade e demonstrar veracidade ao discurso. Demonstrar domínio do tema, com a construção de uma rede de informações trazendo característica e dados causando aceitação e credibilidade aos argumentos.

Complementando com a Lógica

Essas duas artes liberais seriam nada se não fosse uma terceira e tão importante outra arte liberal: A Lógica.

Sem a Lógica as argumentações, questionamentos e conclusões, tanto das divagações filosóficas e metafísicas da Dialética quanto dos estudos políticos e tratados civis da Retórica, não teriam sentido.

Se não fosse a lógica todos esses tratados não teriam significado. A sua argumentação seria um erro, uma linha de raciocínio falsa que não passaria da mais simples demagogia para convencer uma plateia ou vencer um discurso. E não buscar a verdade e questionar os fatos como é o sentido mais antigo dessas artes.

Ao fato de uma ‘linha de raciocínio falsa’ com um objetivo torpe ou desonesto, os antigos também tinham um termo para isso: Falácia.

A Falácia é a falsa lógica, a argumentação insistente que convence, que parece verdadeira, mas que usa de uma lógica incorreta e inconsistente.

Essas argumentações são mais frequentes e próximas que se imagina. Nós mesmos, quando tentamos convencer alguém sobre nosso ponto de vista, sem dúvidas usamos ou ainda usaremos argumentos falaciosos.

O objetivo de buscar e questionar sejam as dúvidas dos grandes filósofos, a troca de ideias entre pessoas ou até a resolução de um problema, fugir da lógica falaciosa é, sem dúvidas, um caminho que te levará para mais próximo da verdade.

Vamos a alguns exemplos de falácias

I) Argumentum ad ignorantiam

Tentar provar algo a partir da ignorância quanto à sua validade. Só porque não se sabe se algo é verdadeiro, não quer dizer que seja falso, e vice-versa.

Ex.: Ninguém conseguiu provar que Deus não existe, logo ele existe.

II) Argumentum ad antiquitatem

Afirmar que algo é verdadeiro ou bom somente porque é antigo ou porque “sempre foi assim”.

Ex: Nossos avós educavam dessa maneira, assim é o jeito certo de educar.

III) Argumentum ad novitatem

Argumentar que o novo é sempre melhor, sem lógica de fato.

Ex.: Na filosofia, Sócrates já está ultrapassado. É melhor Sartre, pois é mais recente.

IV) Argumentum ad misericordiam

Também chamado apelo à piedade. Consiste no recurso à piedade ou a sentimentos relacionados, tais como solidariedade e compaixão, para que a conclusão seja aceita, embora a piedade não esteja relacionada ao assunto ou à conclusão do argumento.

Do argumento ad misericordiam deriva o argumentum ad infantium – “Faça isso pelas crianças”. A emoção é usada para persuadir as pessoas a apoiar (ou intimidá-las a rejeitar) um argumento com base na emoção, mais do que em evidências ou razões.

V) Argumentum ad nauseam

É a aplicação da repetição constante e a crença incorreta de que, quanto mais se diz algo, mais correto isso está.

Ex.: Se Guilherme insiste tanto que sua professora é má, então ela é.

VI) Argumentum ad hominem

Em vez de o argumentador provar a falsidade do enunciado, ele ataca a pessoa que fez o enunciado.

Ex.: Se foi Luiz quem disse isso, certamente é falso.

Usa o fato de Luiz ter dito algo para enfatizar que é falso só pelo fato de ser Luiz.

VII) Argumentum ad lapidem

Desqualificar uma afirmação como absurda, mas sem provas.

Ex.: João, ex-presidente, é acusado de corrupção e defende-se dizendo: “Esta acusação é uma mentira da Receita Federal!”.

Baseado em quê? Onde estão as evidências em contrário?

VIII) Tu quoque 

Consiste em admitir um erro que os outros também cometem, como se fosse uma desculpa.

Ex.: Você também foi acusado de crime de corrupção.

IX) Ignoratio elenchi

Consiste em utilizar argumentos que podem ser válidos para chegar a uma conclusão que não tem relação alguma com os argumentos utilizados. Tenta-se provar uma coisa diferente daquela de que se trata.

Ex.:

  1. É através dos impostos que o governo obtém dinheiro para ajudar os cidadãos mais carenciados;
  2. Dados demonstram que ainda há muitas pessoas com carências;
  3. Logo, a solução é o governo aumentar os impostos.

Este argumento não prova o que pretende, ou seja, que as carências dos cidadãos se resolvam com a subida de impostos.

X) Plurium interrogationum

Ocorre quando se exige uma resposta simples a uma questão complexa.

Ex.: O que faremos com esse criminoso? Matar ou prender?

É um falso dilema.

XI) Falácia do escocês

Fazer uma afirmação sobre uma característica de um grupo e, quando confrontado com um exemplo contrário, afirmar que esse exemplo não pertence realmente ao grupo.

Ex.:

  1. Nenhum escocês coloca açúcar em seu mingau.
  2. Ora, eu tenho um amigo escocês que faz isso.
  3. Ah, sim, mas nenhum escocês “de verdade” coloca.

A falácia não ocorre se há uma justificativa para o argumento.

XII) Teoria da Conspiração

Ex.: Um grupo antigo e secreto controla todos os aspectos da vida na Terra. Não há nenhuma prova da existência deste grupo. E isso só acontece, porque um grupo antigo e secreto controla todos os aspectos da vida na Terra.

XIII) Apelo à consequência

Considerar uma premissa verdadeira ou falsa conforme sua consequência é desejada.

Ex.: Você deve ser bom com os outros ou irá para o Inferno.

A premissa é tida como válida somente porque a conclusão nos agrada ou assusta.

XIV) Apelo ao ridículo

Ridicularizar um argumento como forma de derrubá-lo.

Ex.: Se a teoria da evolução fosse verdadeira, significaria que o seu tataravô seria um gorila.

XV) Apelo à autoridade

Argumentação baseada no apelo a alguma autoridade reconhecida para comprovar a premissa. É o famoso “você sabe com quem está falando?”.

Ex.: Se Aristóteles disse que o Sol gira ao redor da Terra em uma das esferas celestes, então é certamente verdade.

Esses foram só alguns exemplos, de um número incontável de falácias existentes. Saber as bases da lógica de argumentação e, claro, o bom senso aliado a tudo isso, são os princípios para não cair em discursos vazios e tendenciosos, que são mesmo tão comuns em nossa velha política.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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