O que será de um mundo sem Putin?

Com o mundo disperso entre pandemia de COVID-19, eleições americanas e tantos outros acontecimentos que chamaram atenção durante 2020, o jornal britânico The Sun divulgou a notícia de que o líder russo de 68 anos, Vladimir Putin, está com Parkinson e, pressionado pela família, estaria planejando deixar o poder em 2021. A notícia foi contestada pelo Kremlin logo depois, mas, com isso, vem o temor do que poderia acontecer com esse vazio de poder que Putin deixaria, e qual seria o futuro da Rússia e suas consequências para o mundo após uma possível ausência de Putin frente à uma das maiores potências bélicas do mundo.

Em janeiro deste ano, Putin anunciou uma série de mudanças constitucionais, mudanças que fizeram o até então primeiro-ministro Dmitri Medvedev pedir demissão e ser substituído por Mikhail Mishustin. A mudança permitiu a Putin permanecer no poder, mas limitou os futuros presidentes a dois mandatos no total. Constitucionalmente Mishustin assumirá o controle do governo russo no caso de morte ou incapacitação de Putin por 90 dias ou até que uma eleição para substituí-lo possa ser realizada.

Mishustin não possui influência nos círculos políticos russos nem aparenta grandes ambições, e no decorrer dos meses demonstrou-se técnico e apenas seguindo lealmente as demandas do presidente. 

Poucos observadores consideraram as ações de Putin como medidas para garantir uma sucessão pacífica. Em vez disso, a escolha de Mishustin reflete um desejo de entregar o controle do gabinete a uma figura facilmente controlada, sem base ou poder político próprio. Mesmos critérios da escolha do predecessor, Dmitri Medvedev.

As mudanças constitucionais (que dão mais poder para Putin e possibilidade de se candidatar nas próximas eleições) deveriam ser aprovadas pelos eleitores em abril, mas foram adiadas devido à pandemia. No momento, elas estão reprogramadas para 1º de julho e, sem dúvidas, serão aprovadas.

O pacote inclui a substituição do primeiro-ministro, mudanças que limitariam a presidência depois que Putin deixar o cargo e uma extensão formal de seu mandato até pelo menos 2024.

Todos eles foram descritos menos como uma forma de esclarecer os termos da sucessão e mais como uma tomada de poder final por Putin para garantir que seus últimos anos sejam gastos controlando as alavancas de poder da Rússia.

“O único objetivo de Putin e seu regime é permanecer no comando pelo resto da vida, tendo todo o país como seu patrimônio pessoal e confiscando suas riquezas para si e seus amigos”, disse o crítico mais destacado de Putin na Rússia, Alexei Navalny, segundo a AP. Nalvany é um dos principais opositores de Putin, qual recentemente sofreu uma tentativa de homicídio por envenenamento em um voo para Moscou.

O que acontece com a Rússia?

O atual chefe de gabinete do Kremlin, Vyacheslav Volodin, disse certa vez a jornalistas: “Não há Rússia se não há Putin”. Da mesma forma, outros partidários do governo “previram” o quase colapso do Estado Russo sem o líder.

“Se Putin desaparecer da cena política, seja por sua morte ou por qualquer outra circunstância, é extremamente improvável que a constituição seja observada ao pé da letra”, alega Gleb Pavlovsky, cientista político russo, ao Vocativ.

A maioria das análises e projeções para a política russa preveem que, em vez de uma transição pacífica para um novo presidente, a Rússia veria uma violenta luta interna pelo poder entre a elite do Kremlin, especialmente se Medvedev e Mishustin – ambos vistos como figuras opacas e com pouca influência política — liderarem as disputas para assumir o Kremlin.

“Um presidente fraco em exercício não seria capaz de controlar as lutas internas e a política suja que inevitavelmente estouraria durante as eleições”. […] “Isso pode ter consequências devastadoras, desde protestos em massa e crises até o pior cenário de guerra civil”, afirma Anna Arutunyan, autora de The Putin Mystique: Inside Russia’s Power Cult.

Uma liderança fraca frente à Rússia poderia levar toda a região à instabilidades, desde, internamente, movimentos militares para tomada do poder, repressão violenta de protestos e tentativas separatistas na Rússia, até consequentes problemas bélico-políticos, tanto pelo vazio que a Rússia causaria deixando de exercer seu poder no Oriente Médio e no mundo, quanto nas fronteiras, como na Chechênia, Bielorrússia ou no conflito Armênia-Azerbaijão.

Já se Putin fez o possível para esmagar o movimento de oposição da Rússia, um sucessor pulso firme passaria a reprimir ainda mais. “O novo regime estaria ainda menos inclinado do que Putin a falar até mesmo da boca para fora do império da lei”, diz Dmitry Oreshkin, proeminente analista e também cientista político russo. “É por isso que fico hesitante quando as pessoas clamam por uma Rússia sem Putin. O que eles acham que o seguirá? Algum político liberal? Não, as coisas só piorariam.”

Pelo perfil histórico do país e do povo, há mais chances de vitória para a linha-dura antiocidental, composta por inflexíveis políticos e oligarcas russos, sobre a ala mais liberal representada por Medvedev. “É quase certo que veríamos um regime muito mais autoritário do que o de Putin chegar ao poder. Dados os atuais problemas econômicos da Rússia, as sanções ocidentais e a guerra na Ucrânia, possivelmente até uma junta militar”, afirma Oreshkin, que chefia o grupo de pesquisa política Mercator, em Moscou.

Portanto, poderemos passar a ver essa estrutura de poder consolidando-se ainda mais, assumindo o governo com mão-de-ferro, bem amparada e financiada pelos oligarcas do petróleo e gás russos e bem estruturada por raposas do governo Putin, evitando os caminhos para negociações com o Ocidente e trazendo ainda mais instabilidade para a Europa, particularmente às ex-repúblicas soviéticas, ao Leste Europeu como um todo e ao Cáucaso.

Com tudo isso, questiona-se o quanto seria perigoso para Putin afastar-se do poder e aposentar-se. Ter sido líder do Estado Russo por mais de 20 anos o fez acumular inimigos, tanto no mundo quanto em seu próprio governo, e ter uma aposentadoria longeva e tranquila pode não ser uma opção para um futuro ex-líder com um histórico assim. Dessa forma, talvez seja mais seguro para Putin permanecer no cargo, mantendo controle direto dos serviços de segurança e militares russos. Com os inimigos que têm e os segredos que guarda, não dormiria em paz mesmo que o próximo estadista russo seja um dos seus mais íntimos aliados.

Portanto, para Vladimir Putin (se continuar são e contiver suas tendências belicosas) permanecer no poder pode ser o mais seguro caminho para ele e para o mundo. Em uma década que demonstra-se avançar cada vez mais para instabilidade geopolítica e imprevisibilidade, o que menos precisamos nesse momento são as incertezas sobre o futuro e a liderança de uma das potências bélicas com mais poder destrutivo e ogivas nucleares do planeta.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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