Arrow, Arida e os encantos marxistas

Kenneth Arrow, o mais jovem dentre os ganhadores do Nobel de Economia. Kenneth Arrow, apenas mais um garoto de ensino médio encantado pelo ideário marxista. Pérsio Arida, um dos co-idealizadores do Plano Real. Pérsio Arida, militante revolucionário, preso e torturado durante a ditadura militar brasileira. Encantos marxistas, o traço comum nas reflexões de ambos os economistas.

A discussão de questões sociais envolve uma mescla inevitável de fatos e valores, pondera Arrow. O ímpeto por mudanças se origina na percepção das falhas do presente e no vislumbre do promissor futuro. É assim que Arida descreve a luta revolucionária na qual acreditava. A vitória diante do inimigo, a “ditadura dos patrões”, equivale à vitória do bem contra o mal. Daí surgiria um Brasil sem explorados ou exploradores, onde todos teriam comida, um lugar para morar, uma boa saúde e uma vida digna.

Tais condições de vida seriam possíveis, usando as palavras de Arrow, num sistema melhor: o socialismo. A partir dele, a coexistência entre recursos ociosos e necessidades desesperadoras seria superada. Além disso, a culpa pelo desemprego deixaria de ser risivelmente atribuída ao próprio desempregado. Essas eram as opiniões do então garoto de classe média, devidamente informado pelo New York Times, em meio à Grande Depressão.

A doutrina marxista era a mais encantadora, pois, apesar dos óbvios equívocos, colocava o conjunto à frente do indivíduo. Foi assim que Arida pensou ao tentar, em vão, manter um amigo na luta revolucionária: “[…] a responsabilidade de cada um de nós para com os oprimidos era maior do que nunca.” O desejo de mudança, diz Arrow, adquire bases éticas e morais.

A preferência do economista americano pelo socialismo, em detrimento do capitalismo, remetia também a outros valores. A eficiência era um deles, ou seja, corrigir a ociosidade dos recursos. A busca pelos lucros seria abandonada e com ela as corrupções políticas e o poder de controle das pequenas elites. Num sistema socialista, os membros da sociedade finalmente estariam livres para cooperarem entre si e desfrutarem da igualdade de renda e de poder. Isso é, até que esse sistema desmorone diante dos fatos.

A própria história tratou de dissolver ingenuidades e voluntarismos ensandecidos. Se o problema do capitalismo é a concentração de poderes, a desigualdade e a falta de liberdade do homem comum, o que dizer do socialismo? Indagou Arrow. A barbárie soviética mostrou que nem mesmo as diferenças de opinião entre os próprios socialistas eram toleradas. A ausência de uma classe sedenta pelos lucros não implica que outra classe qualquer deixaria de tomar seu lugar. Pelo contrário, a concentração de poder econômico nas mãos de uma elite política facilitaria o autoritarismo, ou pior, o tornaria inevitável.

A economia planejada e a propriedade coletiva dos meios de produção, algumas das soluções marxistas, eram embasadas por argumentos esfarrapados, recorda Arida. Tampouco a democracia seria uma ideologia de dominação burguesa. Na verdade, esses eram frutos de um encanto que sacrifica direitos individuais em função de determinadas interpretações dos interesses do povo.

O jovem Pérsio, o jovem Kenneth e tantos outros foram, e ainda são, encantados pelo ideário marxista. Contudo, admitidamente, ambos os economistas eram jovens ingênuos, ignorantes e pretensiosos. O estudo da economia, observa Arrow, é uma força altamente conservadora, pois, qualquer incremento no conhecimento implica uma maior percepção dos limites da realidade.

Ainda que o desejo por um promissor futuro ou pela formação de uma identidade política esteja presente, alguns desses só podem ser alcançados mediante o sacrifício de altos valores ou, assim como conta Pérsio, mediante o sacrifício de vários bolinhos de bacalhau. É necessário certo cuidado com aquilo que se deseja, afinal, eles podem se tornar realidade. Pior, podemos trocar seis por meia dúzia.

Arrow se mostra sábio ao dizer que todo ser humano tem o direito de desenvolver seu próprio sistema de valores, digno de igual respeito entre eles. Contudo, ainda que esses sistemas possam ser compreendidos, sempre carregarão consigo certo elemento de mistério. A vida contemplativa confere a possibilidade de se assumir diferentes perspectivas. Logo, permite a mudança de opiniões sempre que aprendemos algo novo. O ativismo político implica abrir mão dessa liberdade. Ainda que as mudanças dependam do comprometimento, cada qual deve escolher o próprio caminho, porém, é inevitável que certos encantos e desencantos aconteçam.

Paulo Silveira

Graduando em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e ex-graduando em Economia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Trabalha com gestão de produtos digitais em startups brasileiras. Produz conteúdo sobre economia e tecnologia. Foi um dos vencedores do concurso nacional de resenhas organizado pelo Conselho Federal de Economia em 2017, escrevendo sobre a obra 'Princípios de Economia Política e Tributação' de David Ricardo.

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