Cícero, antigo filósofo e político, nasceu em Arpino, cidade ao sul de Roma, no ano 106 antes de Cristo. O fato de não ser um romano “puro” sempre o envergonhou, mas não o impediu de tornar-se o cânone da oratória romana. Além de muito talentoso e hábil, Cícero nutria paixão pelos estudos, característica esta que o destacou em Roma. Ao longo de toda a sua vida, Cícero trabalhou pelo retorno do governo republicano em Roma, mesmo no período da ditadura de Júlio César.
Seu fim foi trágico: após tramar um plano para ascender ao poder o herdeiro de César, Cícero foi capturado e morto no dia 7 de dezembro de 43 a.C., enquanto tentava fugir para a Macedônia, pelos assassinos de Octaviano, Marco Antônio e Lépido. Marco Antônio ordenou que a cabeça e as mãos de Cícero fossem cortadas e pregadas no Fórum Romano, como forma de demonstrar as consequências para aqueles declarados inimigos do Estado de Roma.
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Em uma dada oportunidade, Cícero afirmou que “Os homens são como os vinhos: a idade azeda os maus e apura os bons”, frase esta que não poderia ser mais feliz. De fato, é intuitivo pensarmos uma avaliação (profissional, por exemplo) de um jovem é mais difícil do que a de um adulto ou idoso: dispõe-se de menos informação acerca do primeiro, tanto da vivência conosco, quanto da convivência dele com os demais. Tome como exemplo o currículo de um indivíduo de, digamos, 50 anos: após décadas no mercado de trabalho, é possível inferir, com elevado grau de precisão, as melhores habilidades e os piores defeitos daquele indivíduo; para tanto, pode-se consultar todos os antigos empregadores dessa pessoa. No caso de um egresso do ensino médio, ainda sem experiência, é difícil saber o que esperar: pode-se ter em mãos um indivíduo com grande potencial, ou alguém que não disponha de muitas virtudes. Como avaliar se devemos ou não oferecê-lo uma vaga de emprego?
Um dos grandes argumentos contra a reforma da Previdência e a idade mínima de aposentadoria diz que tal expediente prejudica os idosos “já que as empresas não contratam pessoas nessa idade”. Mas será que isso é verdade? Vejamos: uma rápida passada pelos dados de desemprego nos faz questionar essa hipótese, uma vez que o desemprego entre idosos é menor do que entre jovens e adultos. É possível, contudo, argumentar que essa estatística é puxada para baixo porque há um elevado número de idosos que desistiram de procurar emprego por considerarem tal esforço infrutífero (classificados, assim, como “desalentados”); como só é considerado desempregado quem procura emprego e não encontra, chega-se à conclusão de que a taxa de desemprego entre idosos é viesada para baixo por conta desse problema. Logo, para contornar essa objeção, calculei, abaixo, a chamada “taxa de desemprego ampliada”, na qual considera-se também o “desemprego” por desalento.
A tendência persiste: o desemprego é maior entre jovens e adultos do que entre os idosos. Observe como, entre mulheres com idade de 15 a 19 anos, a taxa de desemprego ampliada chegou a incríveis 55,1% em 2017, cinco vezes maior do que o desemprego entre mulheres com idade de 60 a 65 anos, de 10%. Contudo, ainda seria possível argumentar que, novamente, tal estatística para idosos é negativamente afetada porque os mesmos saem da força de trabalho porque se aposentam, de forma que não se pode inferir, ao menos num primeiro momento, que a idade seja um fator que aumenta a empregabilidade.
Eu, Claudio Shikida e Pedro Fernando Nery decidimos investigar esse argumento. Para tanto, lançamos mão de um procedimento econométrico conhecido como heckprobit, no qual se estima a probabilidade de uma certa variável binária (por exemplo, “desempregado”) assumir um valor igual a 1, mas também controla-se o viés de seleção que existe pelo fato de, num modelo probit normal, excluirmos uma parcela não aleatória da amostra – neste caso, as pessoas fora da força de trabalho. Toda a explicação metodológica está no paper, e este artigo terá o link para o dito cujo assim que estiver disponível. Por ora, discorreremos apenas sobre os resultados.
O primeiro gráfico mostra a probabilidade marginal de se estar desempregado. Tal interpretação é simples: se escolhermos alguém randomicamente na nossa amostra e com essas características, qual a probabilidade de tal pessoa estar desempregada? Observe como tal probabilidade é decrescente com a idade para mulheres, enquanto, para homens, atinge o menor valor aos 50 anos de idade (8,9%), tornando a crescer em seguida para 11,5% aos 65 anos de idade. Entre mulheres, a probabilidade estimada é de 31,7% aos 15 anos e 4,7% aos 65. Como se pode ver, a grande dificuldade em arranjar emprego se dá quando se é jovem e se dispõe de pouca experiência; quando se é idoso e homem, a dificuldade de arranjar emprego é maior em relação aos adultos na faixa dos 40-50 anos, mas bem menor se comparada aos jovens.
O próximo gráfico mostra a probabilidade conjunta de estar desempregado & na força de trabalho. Poderia o leitor questionar: “mas essa probabilidade não deveria ser igual à probabilidade marginal, uma vez que é impossível estar, ao mesmo tempo, desempregado & fora de força de trabalho?”. É aí que entra a sofisticação do modelo: ele modela algo não observado diretamente, que é o desemprego para pessoas fora da força de trabalho. Para facilitar, considere que quiséssemos modelar o evento “comprar um carro”, que depende do evento “entrar na concessionária”. Num primeiro momento, parece absurdo querer modelar a probabilidade de um cliente comprar um carro & não entrar na concessionária; contudo, tal situação pode ser entendida como hipotética: gostaríamos de obter conhecimento sobre pessoas que não entraram na concessionária mas comprariam o carro caso tivessem entrado.
Veja como, para mulheres, tal probabilidade cresce até os 19 anos, quando atinge 22,5% e, depois, segue tendência semelhante àquela observada na probabilidade marginal, chegando a um mínimo de 4,5% aos 65 anos. Para homens, a menor probabilidade de desemprego se dá aos 50 anos novamente, no valor de 8,7%, crescendo posteriormente para 10,7%. Novamente, observa-se grande dificuldade de se arranjar emprego na fase mais jovem da vida, enquanto, na velhice e entre homens, a dificuldade só é maior quando comparada aos homens 15-20 anos mais jovens.
A seguir, apresentamos o evento hipotético “estar desempregado & fora da força de trabalho”. Quer dizer: com qual probabilidade alguém estaria, ao mesmo tempo, fora da força de trabalho e desempregada caso estivesse na força? Observe como entre mulheres jovens essa probabilidade é bem maior do que entre jovens da mesma idade, mas rapidamente cai a zero e, ao final, cresce marginalmente. Entre mulheres de 15 anos, essa probabilidade é de 10,2%, sendo de 4,5% para homens de mesma idade. Já aos 65, essa probabilidade cai para 0,8% entre homens e 0,21% para as mulheres.
Por fim, apresentamos a probabilidade condicional (a estar na força de trabalho) de estar desempregado. Em outras palavras: dado que alguém está na força de trabalho, isto é, restringindo a análise ao grupo de pessoas economicamente ativas, qual a probabilidade de estar desempregado?
Observa-se um valor muito elevado, de quase 60%, para mulheres de 15 anos, enquanto para mulheres de 65 anos essa probabilidade cai a 9,6%. Para homens, a menor probabilidade se dá aos 49 anos (9,4%), atingindo 13,7% aos 65 anos.
Conclusão
Os dados sugerem que a empregabilidade entre idosos não é tão reduzida se comparada à de adultos. Na verdade, para os homens, a maior empregabilidade se dá na faixa dos 44-50 anos, enquanto que, para mulheres, a maior empregabilidade é aos 65 anos, em geral. O argumento de que “empresas não dão emprego para idosos” é falho em alguma medida, como bem nos mostrou a análise aqui explicada e desenvolvida no paper.
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Outros países do mundo contam com idades de aposentadoria bem mais elevadas que a nossa, ainda que suas expectativas de sobrevida aos 65 não sejam muito diferentes daquelas observadas no Brasil. O que nós estamos enxergando e eles não? Será que a empregabilidade entre idosos é mesmo menor e só nós percebemos isso? Ao que parece, não.
Devemos sempre estar a par dos dados para debater temas tão importantes quanto a reforma da Previdência. Afinal, como vamos discutir racionalmente o assunto se não sabemos as relações que governam o sistema e sua ligação umbilical com o mercado de trabalho? Ao fim, ao menos por ora, esvaziamos um argumento contra a reforma da Previdência.
Gabriel Nemer É graduando em Ciências Econômicas pelo Insper.
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