Crescimento econômico: reversão a média ou processo autoalimentado?

Alguns dias atrás, o PIB brasileiro foi divulgado pelo IBGE: queda de 0,6% no segundo trimestre e de brinde uma revisão do crescimento do primeiro trimestre de +0,2% para -0,2%, tudo isso ajustando para os efeitos sazonais.  Descobrimos então que estávamos vivendo em recessão “técnica” no primeiro semestre do ano. “Técnica” porque, pela definição, significa dois trimestres seguidos com número negativo. Bom, convido o leitor a olhar os gráficos abaixo.

[caption id="attachment_1586" align="aligncenter" width="676"]Fonte: IBGE; Elaboração: autor Fonte: IBGE; Elaboração: autor[/caption] [caption id="attachment_1582" align="aligncenter" width="676"]Fonte: IBGE; Elaboração: autor Fonte: IBGE; Elaboração: autor[/caption]

Agora pergunto: Apenas “técnica”? O gráfico mostra que dos últimos 4 trimestres, tivemos 3 negativos. Ou seja, estamos estagnados desde o segundo trimestre do ano passado! Apesar de, pela definição, ainda não estarmos em recessão, na prática, o sentimento é certamente de recessão.

Olhando para os componentes do crescimento, as impressões ficam mais desalentadoras ainda. O investimento está caindo há 4 trimestres e o consumo, que era um dos principais motores da economia, vem perdendo tração. Engraçado, segundo o BC a economia brasileira estava sofrendo um ajuste de um balanceamento com menos consumo e mais investimento.  Mas pelo que vemos, parece que o balanceamento é de menos consumo e menos ainda investimento. [1]

[caption id="attachment_1587" align="aligncenter" width="676"]Fonte: IBGE; Elaboração: autor Fonte: IBGE; Elaboração: autor[/caption] Nada que os brasileiros já não tenham percebido pela deterioração dos indicadores de atividade econômica, pela alta da inflação e queda dos indicadores de confiança.

No entanto, os economistas mais otimistas (leia-se Mantega apenas) se utilizam de argumentos como “o segundo trimestre teve menos dias úteis”, que “o evento da Copa do Mundo atrapalhou a atividade de vários setores” e que “o principal motivo da queda é a crise internacional” (as exportações não contribuíram positivamente, ministro (?)) e continuam acreditando numa retomada do crescimento. [2]

De fato, não pelos motivos que o ministro utilizou, mas pelo histórico da economia brasileira, muitos economistas acreditam que o Brasil terá um ajuste em 2015 e voltará a crescer perto do seu potencial (1% a 1,5% segundo as contas do ex presidente do Banco Central, Mario Mesquita [3]) em 2016.

Mas que histórico é esse?

Ciclos econômicos

O que vimos até então na economia brasileira foram crises cambiais. O ciclo de uma crise cambial começa com uma saída massiva de capitais que levam a uma desvalorização forte do câmbio. Como grande boa parte das empresas tem suas dívidas em dólares e contratos de exportação atrelados à taxa de câmbio antiga, elas acabam incorrendo de custos maiores e algumas quebram. As que não quebram, tentam diminuir ao extremo seus custos de forma que, se conseguirem sobreviver ao pior momento, começam a se recuperar porque conseguem voltar a gerar receitas via exportações com câmbio mais desvalorizado. Essa parte do ciclo de uma crise cambial também é conhecida como curva “J”.  Ou seja, após os ajustes que serão feitos em 2015, teremos uma reversão a média do crescimento e é nisso que a maioria dos economistas brasileiros acreditam.

Porém, há outra teoria que diz que esse processo de baixo crescimento pode ser retroalimentado, aprofundando mais a crise no país. Segundo esse outro modo de olhar a economia, o ciclo começa quando as empresas investem bastante e contratam muitas pessoas. Nessa fase do ciclo, os lucros das empresas são altos, mas os salários nem tanto assim. A medida que a taxa de desemprego vai diminuindo, os salários vão aumentando. Mesmo assim, as empresas ainda lucram e continuam contratando para diluir os custos fixos. Isso ocorre até um ponto em que os salários crescem mais que a produtividade dos trabalhadores e as empresas começam a ter margens apertadas. Elas conseguem segurar os trabalhadores por um tempo, mas não muito até que começam a demitir. E quando demitem, demitem muito rápido, pois não conseguem mais vender seus produtos porque as pessoas estão perdendo seus empregos e a massa salarial despenca. Ou seja, pessoas desempregadas,  menos produtos vendidos, preços caem, menos receitas, menos lucros, mais cortes de custos, mas pessoas desempregadas. Esse processo se autoalimenta até os preços cederem tanto que fica barato para as empresas começarem a investir e contratar novamente, começando um novo ciclo.

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A experiência internacional mostra isso. Em vários casos de países do G7, pudemos observar esse fenômeno. Nos EUA, o histórico da taxa de desemprego já mostrou aumentos impressionantes. Podemos dizer o mesmo para a Austrália, Alemanha, França etc. (abaixo os gráficos das taxa de desemprego dos EUA e da Austrália)

[caption id="attachment_1581" align="aligncenter" width="676"]Fonte: Bureau of Labor Statistics; Elaboração: autor Fonte: Bureau of Labor Statistics; Elaboração: autor[/caption] [caption id="attachment_1583" align="aligncenter" width="676"]Fonte: Reserve Bank of Australia; Elaboração: autor Fonte: Reserve Bank of Australia; Elaboração: autor[/caption]

Caso brasileiro

No caso brasileiro, como dito acima, nunca tivemos uma crise econômica do segundo tipo. A taxa de desemprego no Brasil nunca subiu de forma abrupta, como nos países G7. No entanto, também nunca tivemos ganhos salariais tão altos e uma produtividade tão baixa. A pergunta então seria qual desses cenários será o mais provável de acontecer?

Também tenho minhas dúvidas. Se tivesse que responder, responderia que estamos mais próximos das características do segundo processo. E para ser mais especifico, estaríamos no processo de demissão. Os dados do IBGE [4] já apontam para um leve aumento da taxa de desemprego. Se não houvesse uma queda forte da PEA, talvez já teríamos um aumento [5]. Além disso, os dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que estamos no quinto mês consecutivo de criação de vagas líquidas negativa (desconsiderando os efeitos sazonais), ou seja, as empresas não só pararam de contratar como também começaram a demitir. E para corroborar com minha opinião, o consumo já vem diminuindo: o crescimento do varejo vem desacelerando [6] e as vendas de automóveis estão caindo [7], gerando assim uma bola de neve. No entanto, apesar de o desemprego ainda subir, acredito que a alta não será tão rápida quanto em países G7, pois temos um mercado de trabalho mais fechado e muito burocrático.

[caption id="attachment_1585" align="aligncenter" width="676"]Fonte: IBGE; Elaboração: autor Fonte: IBGE; Elaboração: autor[/caption] [caption id="attachment_1588" align="aligncenter" width="676"]Fonte:MTE; Elaboração: autor Fonte:MTE; Elaboração: autor[/caption]

Outro ponto interessante de comentar e que a maioria dos economistas ainda não está levando em consideração é que nesse ano teremos um crescimento muito pequeno (perto de zero nada) com uma política fiscal ainda expansionista. Sem o impulso fiscal para ajudar a economia em 2015 já são grandes as chances de termos uma recessão. Então se colocarmos na conta todo o ajuste que tem que ser feito no superávit primário, as chances de esburacarmos são maiores ainda! Alguém continua otimista fora o nosso ministro Mantega?

Por fim, esse processo também pode ser potencializado caso a inadimplência comece a aumentar e gere um descompasso no crédito, no qual os bancos deixam de emprestar e as pessoas, já endividadas e sem emprego, não conseguem crédito para honrar com seus compromissos, aumentando ainda mais a inadimplência. No entanto, o Brasil ainda não dá sinais negativos pelo lado do crédito.

Para concluir, o que eu espero do Brasil é um cenário negro, independente de quem ganhe as eleições… “winter is coming”.

Recession

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[1] Ata de Julho, Parágrafo 23 – http://www.bcb.gov.br/?COPOM184

[2] http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2014/09/eu-diria-que-situacao-esta-mais-calma-afirma-guido-mantega.html

 [3] http://www.valor.com.br/brasil/3675330/pib-potencial-caiu-e-esta-entre-1-e-15-diz-ex-diretor-do-bc

[4] O IBGE entrou em greve e divulgou os dados de emprego de apenas 4 capitais metropolitanas nesses últimos dois meses (Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, deixando de fora Porto Alegre e Salvador). Usei apenas os dados dessas capitais.

[5] ver meu texto anterior

[6] http://www.valor.com.br/brasil/3653178/vendas-no-varejo-caem-07-em-junho-aponta-ibge

[7] http://g1.globo.com/carros/noticia/2014/09/venda-de-carros-cai-74-em-agosto-diz-fenabrave.html

Bureau of Labor Statistics: http://data.bls.gov/timeseries/LNS14000000

Reserve Bank of Australia: http://www.rba.gov.au/statistics/tables/index.html#output-labour

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

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