Guilherme de Paulo e Veridiana Freire
Tornou-se frequente a forte abordagem da mídia sobre a crise fiscal do estado do Rio de Janeiro, onde o governador Francisco Dornelles (PP-RJ) decretou estado de calamidade pública, a aproximadamente 40 dias dos Jogos Olímpicos. O decreto do governador fluminense dirigia culpa à grave crise financeira e à diminuição das arrecadações dos royalties referentes ao petróleo, em grande parte como consequência das flutuações negativas do preço da commodity. Por mais que a notícia tenha pegado alguns economistas e políticos de surpresa, o assunto já tivera tímida abordagem em abril, após sucessivos rebaixamentos de notas de risco, principalmente da capital carioca, devido à grave dificuldade de estabilidade das contas.
A dívida pública é contraída para cobrir gastos não financiados pela arrecadação de impostos. Contudo, o problema da dívida interna adquirida na esfera estadual não é um imbróglio recente. Segundo documento do Tesouro Nacional, “essas dívidas tiveram suas origens nos empréstimos-pontes que o Governo Federal concedia aos estados e suas entidades para pagamento do serviço da dívida externa entre 1983 e 1989, por intermédio dos chamados Avisos MF 30 (de 29/8/83) e sucedâneos (como o Aviso MF 9, de 2/2/84).”. Ou seja, a situação financeira e fiscal dos estados era muito complicada, e ciente disso, nos anos 1990 o Tesouro Nacional assumiu as dívidas que os estados brasileiros tinham com o mercado financeiro. Dessa forma, as unidades da federação passaram a dever para o governo federal.
Originalmente, essa dívida era corrigida pelo IGP-DI acrescida de uma taxa entre 6% e 9% ao ano. Mais tarde, devido à dificuldade de pagamento, a correção da dívida foi alterada para a Selic acumulada ou o IPCA (o que for menor), acrescida de uma taxa de 4%, sob o regime de juros compostos.
A dívida chegou ao seu estopim há poucos dias por conta da proporção tomada. O decreto do governador Dornelles ligou o alerta vermelho nos estados que perceberam lidar com uma situação preocupante, em que uma simples diferença contábil – receitas menos despesas –, apresentava números vermelhos históricos. Até o mês de abril, a dívida dos estados com a União alcançava R$ 493 bilhões.
Diante disso, a reunião convocada pelos governadores com o presidente em exercício Michel Temer no último dia 20 abordou como única pauta a nova negociação das dívidas de estados e municípios, que de certa forma buscam a “remediação” dos erros das administrações estaduais, por meio de um socorro financeiro urgente e mudanças nas diretrizes orçamentárias. A necessidade de o controle das contas nacionais partir, principalmente, da solvência dos estados pesou para que o acordo fosse firmado.
O acordo entre o governo federal e as unidades da federação determina uma carência até o fim do ano, isto é, o pagamento das dívidas está suspenso até dezembro de 2016. A partir de janeiro de 2017, os estados voltam a pagar seus compromissos, mas a prestações mais baixas, de forma que o primeiro pagamento será de 5,5% do valor da parcela, e a cada mês tal valor é acrescido de 5,5 ponto percentual, até que seja retomado 100%, o que acontecerá em 18 meses.
Não seria razoável supor este acordo sem a existência de uma contrapartida. O pacto, segundo o próprio presidente, implica na inserção dos estados no Projeto de Emenda à Constituição (PEC 241/2016) que limita a expansão dos gastos públicos, como moeda de troca para o acerto. Agora, com o projeto sendo aprovado na câmara, os governadores deverão, em teoria, seguir à risca o limite das despesas, sujeitos a punições em relação aos repasses e descontos nas parcelas.
Apesar de parecer impalpável para muitos especialistas, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, garantiu que não se trata de “perdão da dívida”, e que todos os débitos deverão ser quitados com esse alongamento do prazo. A questão principal é o quanto será o custo de tudo isso e se é possível para a União arcá-los. De acordo com a estimativa do ministério, os estados deixariam de pagar em torno de R$50 bilhões, até 2018. Altos números se analisarmos a situação da nossa Dívida Pública Federal.
Entre os estados, o consenso de que o Rio de Janeiro necessita de maior atenção pareceu natural. O estrondoso colapso da saúde, segurança e educação, demonstrou ser consequência da precariedade na administração das contas em detrimento dos enormes valores destinados às competições olímpicas, que está prestes a ser realizada.
Pode ser curiosa a comparação, mas caso semelhante é ilustrado no setor privado. A empresa de telefonia Oi publicou em nota relevante que entrou com um pedido de recuperação judicial no valor de R$ 65,4 bilhões, situação que se assemelha com o pedido de “ajuda” dos governadores. O cenário além de exigir atenções do governo federal, pode agravar a situação econômica do Rio, pois, em dados divulgados pela própria empresa, coloca-se como responsável pela geração de mais de 138.000 empregos.
A discussão em torno da falta de responsabilidade com as dívidas volta à tona após os acontecimentos dos últimos dias. As administrações estaduais deveriam zelar pela liquidez dos balanços de contas. O gasto acima das receitas, financiamentos sem responsabilidades aliados à rolagem das dívidas encarecem a conta e, levando em consideração o caos fiscal que atravessa principalmente o estado do Rio de Janeiro, torna-se completamente discutível a realização dos eventos esportivos que o Brasil sediou em 2014 e que sediará em 2016. Um gasto que ultrapassa a margem dos R$ 40 bilhões como o das Olimpíadas seria de grande utilidade para evitar o colapso da saúde e educação, necessidades essenciais da população.
Notas: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/06/se-fosse-empresa-pedia-recuperacao-judicial-diz-secretario-sobre-rj.html http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9496.htm http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36566996 http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/06/saiba-como-comecou-a-divida-dos-estados-com-a-uniao http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/06/governo-suspende-dividas-de-estados-ate-fim-do-ano-diz-temer.html http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/06/entenda-o-acordo-sobre-a-divida-dos-estados http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/06/entenda-divida-dos-estados-com-uniao.html http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/Premio_TN/iiipremio/divida/MencaoHonrosa_III_PTN/GiltonCarneiro.PDF http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes;jsessionid=3BE9C499585070C766199EA03466617D?id=8190