Para compreender melhor a realidade do mundo em que vivemos deveríamos, antes de mais nada, compreender melhor o comportamento do seu principal fator de mudança: o indivíduo. E assim, a partir do indivíduo, poderíamos compreender melhor o comportamento de seu grupo.
Quando analisamos o indivíduo, ou seu grupo, buscamos um padrão que tenha levado-os para uma situação que não seja agradável ou a ideal. Ou seja, quando a situação é ruim, analisamos o histórico na tentativa de compreender como chegamos a isso, quais foram os comportamentos, decisões e interpretações que os levaram para aquele momento. Quando falamos grupo, pode ser uma família, uma empresa, um país ou a humanidade em si.
Estudando os caminhos traçados, o histórico, observamos os erros de decisões, más interpretações, conclusões completamente erradas ou pouco embasadas. E, acerca desses caminhos e interpretações que nos levam à uma realidade ruim ou com consequências não agradáveis, pode-se encontrar diversas falhas de gestão, de interpretação ou até mesmo de acesso à informação, mas, o que prevalece em relação a todos esses fatores, e, inclusive, os causa, é um único e imprescindível, a estupidez.
Para compreender melhor a estupidez, vamos analisar brevemente as suas cinco leis fundamentais, magistralmente descritas pelo economista e historiador italiano Carlo Cipolla, em The Basic Laws of Human Stupidity (Allegro Ma Non Troppo, no original em italiano), de 1988.
Nós do Terraço já abordamos a estupidez como tema em pelo menos dois artigos. Neste, aprofundando nas definições de Cipolla, e neste, também citando Cipolla, mas com uma abordagem um pouco mais histórica e filosófica.
As Leis Fundamentais da Estupidez Humana (Le leggi fondamentali della stupidità umana)
Primeiro, nesse capítulo do livro, Cipolla classifica a humanidade em quatro grupos:
- Os inteligentes, que conseguem ter uma ação que resulte em vantagem para si e para a sociedade;
- Os vigaristas, que tiram vantagem para si com prejuízo para os outros, ou para a sociedade;
- Os ingênuos, que geram vantagem aos outros, causando prejuízo a si próprios;
- Os estúpidos, que têm uma ação que resulta em prejuízo para si e para os outros.
Após isso o autor enuncia as cinco leis da estupidez, que definem seu comportamento na sociedade:
- Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos que há no mundo.
- A probabilidade de que uma determinada pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica dela mesma.
- Uma pessoa é estúpida se ela causa um dano a outra ou a um grupo sem obter nenhum benefício para si, ou mesmo sofrendo prejuízo. (Lei de ouro)
- As pessoas não estúpidas subvalorizam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas; esquecem constantemente que em qualquer momento e lugar, e em qualquer circunstância, tratar ou associar-se com indivíduos estúpidos constitui inevitavelmente em um erro custoso.
- A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe.
No senso comum temos o conceito do complexo do pombo enxadrista, que poderia ser uma síntese dessas leis. Esse termo apareceu na internet para resumir atitudes estúpidas (argumentos não embasados teoricamente, falácias etc), em discussões ou debates:
“Discutir com ‘fulano’ é o mesmo que jogar xadrez com um pombo: ele defeca no tabuleiro, derruba as peças e sai voando cantando vitória.”
Os movimentos do indivíduo estúpido e suas consequências estão fundamentados na sua soberba e confiança, tanto para agir, tomar decisões ou mesmo as certezas completamente contestáveis que possui sobre o próprio conhecimento e seu raciocínio.
Notando isso, pedindo licença a Asimov (e ao próprio Carlo Cipolla), podemos acrescentar aqui a Lei Zero da estupidez humana e de todos os seus males:
O efeito Dunning-Kruger
O efeito Dunning-Kruger implica em um fenômeno onde indivíduos que possuem pouco ou nenhum conhecimento sobre um tópico acreditam saber mais sobre esse assunto que os demais, ou até mesmo mais que autoridades e especialistas no assunto. Essa confiança faz com que não tenham uma percepção real do problema ou da situação levando-os, assim, a resultados ruins, muitas vezes catastróficos, ainda mais quando esses indivíduos estão em cargos e posições que façam essa sua ilusão ter consequências para um grupo maior ou para a sociedade como um todo.
Vemos aqui agir o estúpido da definição de Cipolla, aquele que consegue causar um dano para si e para os outros pela sua falta de percepção ou compreensão da realidade, mas que acredita cegamente que possui essa compreensão. Em psicologia social essa superestima sobre suas próprias qualidades e habilidades é reconhecida como superioridade ilusória.
Esse mecanismo da superioridade ilusória foi demonstrado por Justin Kruger e David Dunning na Universidade de Cornell. No estudo, publicado no Journal of Personality and Social Psychology, em 1999, os pesquisadores constataram que em diversas habilidades, mesmo distintas, desde compreensão de leitura e interpretação, direção, até jogar xadrez ou tênis, a ignorância e não percepção real das suas próprias habilidades gera confiança com mais intensidade e frequência do que realmente possuir conhecimento ou experiência no assunto.
Esse gráfico tenta demonstrar como funciona o efeito:
Dunning e Kruger propuseram, portanto, padrões de comportamento em que pessoas estúpidas irão incorrer perante determinadas situações:
- falhar em reconhecer sua própria falta de habilidade;
- falhar em reconhecer as habilidades genuínas em outras pessoas;
- falhar em reconhecer a extensão de sua própria incompetência e estupidez;
- mas podem reconhecer e admitir sua própria falta de habilidade depois que forem treinados para aquela habilidade.
Dunning traça uma analogia como se esse efeito fosse uma condição patológica, uma deficiência física, porém o indivíduo não a percebe, ou mesmo nega sua existência, mesmo nos casos em que essa deficiência seja evidente para todos os demais e o incapacite de realizar as atividades mais corriqueiras.
“Quando as pessoas são incompetentes nas estratégias que adotam para alcançar o sucesso e a satisfação, sofrem um fardo duplo: elas não apenas chegam a conclusões errôneas e fazem escolhas infelizes, mas sua incompetência as tira da capacidade para perceber isso. Em vez disso, (…), eles ficam com a impressão errônea de que estão indo muito bem.”
É aquela famosa piada: “Quando você morre, você não sabe que está morto. Só é doloroso e difícil para os outros. O mesmo se aplica quando você é um estúpido”.
“Se você é incompetente, você não consegue saber que é incompetente (…) [A]s habilidades necessárias para fornecer uma resposta correta são exatamente as habilidades que você precisa ter para ser capaz de reconhecer o que é uma resposta correta. No raciocínio lógico, na educação dos filhos, na administração, na resolução de problemas, as habilidades que você usa para obter a resposta correta são exatamente as mesmas habilidades que você usa para avaliar a resposta. Portanto, nós demos continuidade a investigações para apurar se a mesma conclusão poderia ser verdadeira noutras áreas. E para nossa surpresa, era bem verdadeira.” – Palavras de David Dunning em entrevista para o The New York Times, em 2010.
Dunning e Kruger testaram suas hipóteses com alunos da Universidade de Cornell matriculados em matérias de psicologia, aplicando-lhes avaliações, principalmente de lógica e gramática. Depois de receberem suas notas dos testes, os pesquisadores solicitaram aos avaliados que estimassem seu nível de habilidade com os temas em relação aos demais participantes. O grupo mais competente em cada habilidade estimou corretamente seu próprio nível, enquanto o grupo incompetente superestimou-o.
Enquanto isso, pessoas com real conhecimento tenderam a subestimar sua competência. Basicamente, os que consideraram as tarefas fáceis presumiram que as tarefas também eram fáceis para os demais participantes.
Quando compreendemos todos esses padrões reconhecemos os indivíduos estúpidos e seus efeitos na sociedade, seja através das consequências e males que causam para si ou para todos. Percebemos o quanto pode ser nocivo e perigoso o risco de indivíduos estúpidos em cargos de poder e liderança e o quanto não deveríamos subjugarmo-nos perante qualquer tipo de autoridade, real ou não. O curso da história muitas vezes foi alterado, ou atrocidades foram cometidas, simplesmente porque havia autoridade demais nas mãos de poucos idiotas. Qualquer semelhança com a política histórica ou atual não é coincidência. Os estúpidos, talvez, justamente por uma percepção errada da realidade e de sua própria incapacidade conseguem guiar as decisões mais importantes numa sociedade pelo seu húbris e excesso de autoconfiança. E, definitivamente, não deveria ser assim.
Como bem resumiu Bertrand Russell: “O problema do mundo é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.”