Irã e o limiar da guerra

Em setembro, americanos e sauditas atribuíram aos drones iranianos um bombardeamento de campos de extração e rede de processamento de petróleo na Arábia Saudita. Em tese, teriam sido afetados cerca de 6% da produção global de petróleo e os responsáveis pelo ataque seria o Irã ou a milícias ligadas ao poder iraniano no Iraque.

O velho conflito entre EUA e Oriente Médio

Pouco tempo depois, os rebeldes Houthis, financiados pelo poder iraniano e que lutam pela separação no sul da Península Arábica, no Iêmen, acabaram assumindo a autoria do ataque. Antes da ofensiva iraniana, a expectativa internacional era de uma reaproximação Irã-EUA, principalmente após o afastamento de John Bolton do cargo de conselheiro de Segurança Nacional.

John Bolton sempre se demonstrou inflexível perante a política externa americana, permanentemente favorável à intervenção militar e enfaticamente contrário a qualquer tipo de concessão aos regimes declarados inimigos pelos americanos.

Contudo, esse último ataque iraniano demonstrou que a tendência dos conflitos será manter-se no limiar da guerra. Os atos hostis entre as nações manter-se-ão conduzidos remotamente. Embora o Irã tenha atacado aliados e interesses dos EUA na região, como Iraque e Arábia Saudita, o uso de ativos aéreos e cibernéticos só mantém o conflito remoto. Ambos os lados limitaram-se a usar drones e foguetes e os EUA empenham-se em ataques virtuais e cibernéticos.

No limiar da guerra

Como afirma o consultor em geopolítica John Raine em seu artigo Iran: war on the threshold para o IISS (International Institute for Strategic Studies), preservarem-se nesse limiar da guerra é interessante para os envolvidos no conflito, porque seus custos são baixos, tanto em termos financeiros quanto em baixas humanas. O fato dos dois países continuarem essa espécie de “guerra fria” pode ser benéfico, pois ambos colhem benefícios políticos e populistas em casa por se envolverem em hostilidades, mas não em guerra, com um inimigo idealizado.

Essa postura apoia a narrativa iraniana de desafio e resistência ao ocidente, um ativo que amplia sua base de apelo e recrutamento para além dos xiitas e aumenta sua influência regional. Para os EUA permite ao governo ampliar sua rede de influência e aliados, principalmente no Oriente Médio, criando um inimigo comum para exercer ainda mais poder sobre estes. 

Quando o Irã apreendeu um petroleiro britânico e derrubou, no Golfo Pérsico, um drone americano houve aumento da tensão entre as nações com envio de porta-aviões e reforços americanos à região, mas o ataque à refinaria saudita elevou o tom das estratégias sobre futuras possíveis retaliações.

O mercado global foi afetado e esperava-se que os danos demorariam para serem reparados (o que não até que a produção de petróleo retorne à sua produção anterior. Tendo afetado severamente o mercado global, esse evento demonstrou a latente instabilidade desse mercado e só enfatizou ainda mais a fragilidade da ordem no Oriente Médio como um todo.

Apesar disso, como Trump vem demonstrando no decorrer do seu mandato, não há interesse real por parte dos EUA em intervenções militares ou uma guerra, o que foi reforçado pela saída de Bolton e muito bem constatado com a postura perante a Coreia do Norte. Além disso, Donald Trump vem enfrentando outros problemas domésticos, como o andamento de um processo de impeachment.

As sanções econômicas feitas pelo ocidente e seus problemas econômicos deixam o Irã em uma posição de desvantagem, principalmente em relação aos recursos para lidar com uma guerra de fato. Porém, manter-se no “limiar da guerra”, nessa guerra remota, sem investidas militares reais, é interessante para que o país possa manter o tom de ameaça. Fora isso, é estratégico para demonstrar seu poder e influência na região e no mundo, ainda mais quando ataca a infraestrutura saudita de petróleo e demonstra o poder que poderia exercer no mercado global, caso as sanções fossem retiradas e pudesse vender seu petróleo para todo o globo.

Talvez a ruptura desse limiar esteja entre um ataque direto aos EUA ou algum de seus aliados, à bases militares ou capitais, pelo Irã, ou mesmo um ataque direto ao território soberano iraniano, pelos americanos. O que levaria os iranianos a retaliarem de maneira mais direta e prejudicial possível. Acabando, sem dúvidas, com a estabilidade política e econômica mundial.

Os objetivos estratégicos do Irã são o de manter a tensão e aparente equilíbrio no poder regional, criar alavancagem nas negociações e transmitir capacidade de desafio. Enquanto o Irã enfrentar as implicações das sanções e o isolamento econômico, tenderá a aumentar a instabilidade na região e os custos para os EUA e União Europeia, até o momento em que as negociações possam avançar e as sanções sejam diminuídas, ou, é claro, o limiar seja rompido.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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