Fechando a caixa de pandora: a esperança nacional-desenvolvimentista e o custo do atraso educacional

Continuação do artigo “Libertando o Prometeu acorrentado: o papel e o tamanho da nossa ignorância na prosperidade do país


Insatisfeito com o castigo que impõe a Prometeu, Zeus elabora um plano com aparência invejável, porém, de essência lúgubre. O plano consistia em reunir os Deuses para que cada um atribuísse um dom acompanhado de um futuro malefício à sociedade. Os dons tornaram Pandora a personificação da perfeição, acompanhada de uma caixa de maldades sociais.

Prometeu, dotado da capacidade de prever o futuro, já havia avisado ao irmão, Epimeteu, sobre os Planos da corporação de Deuses. O voluntarioso e ingênuo Epimeteu não dá ouvidos, casa-se com Pandora e permite que ela abra a caixa de maldades que atormentariam a humanidade dali em diante.

É com o espirito de Epimeteu que a jovem sociedade Brasileira caiu nas tentações do Nacional-Desenvolvimentismo. Foi com ares de otimismo e esperança que os intelectuais mais influentes do pensamento econômico venderam a ideia do Brasil grande, do Brasil potência.

Entre meados de 1930 e 1990 o diagnostico era claro entre os intelectuais desse lado do trópico. O Brasil seria pobre porque era explorado pelas economias centrais e exportador de commodities. Assim, não seria possível escapar da armadilha da pobreza, pois as empresas internacionais transfeririam os lucros para o exterior, haveria tendência de queda dos preços das commodities acompanhado de aumento no preço dos bens de consumo e, claro, a agricultura não seria capaz de gerar o dinamismo e emprego necessário para o país crescer.

O plano para sair desse ciclo parecia muito intuitivo, muito claro. Bastaria fechar a economia e produzir no Brasil, tudo que pudesse ser produzido no Brasil. Para isso, o estado deveria ser promotor desse processo por meio de protecionismo à produção e distribuição de benefícios a setores estratégicos para dinamizar a economia doméstica. Esse foi o grande diagnostico e agenda da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), liderada por Celso Furtado e Raúl Prebisch.

A simplicidade e rápida aderência por parte de diversos grupos da sociedade, principalmente dos industriais paulistas representados pela FIESP, a essa estratégia de desenvolvimento é contrastada com o impressionante fracasso dessas políticas em gerar riqueza. Pelo contrário, essa agenda é responsável pelo descontrole das contas públicas, inflação elevada, preservação de empresas ineficientes e por crises econômicas gravíssimas. Essas são características marcantes dos governos de Juscelino Kubitschek, Ernesto Geisel, e mais recentemente Dilma Rousseff.

Não só isso, a euforia para industrializar o país não era acompanhada por um foco na política social, principalmente, educação e saúde. O pesquisador Samuel Pessôa deixa isso muito claro quando comenta em edição recente da revista Conjuntura Econômica acerca da campanha “O petróleo é nosso!” na década de 1950. Enquanto construíamos Brasília e havia uma maciça mobilização para colocar de pé a Petrobras, sete em cada dez crianças de 7 a 14 anos não estavam na escola. A educação foi negligenciada pelas elites.

Os números dão a dimensão do problema. No Brasil, de cada 100 crianças com idade de estar na escola primária em 1930, apenas 20 estavam matriculadas. Com grande atraso frente a outros países, até com mesmo nível de desenvolvimento, a universalização do ensino primário só ocorreu no início dos anos 1980. Enquanto que no ensino secundário até os anos 1990, 40 de cada 100 adolescentes frequentavam a escola. Número que passou de 70 para cada 100 apenas no início dos anos 2000.

Outra maneira de enxergar o problema é por meio de estatísticas comparadas de ano de escolaridade como as fornecidas pelos pesquisadores Barro e Lee. Enquanto que em 1985 a escolaridade média do Brasileiro era de 3,48 anos, na Alemanha (9,64) e nos Estados Unidos (11,57). O Brasil estava abaixo até mesmo de países próximos, como Argentina (7,09), Bolívia (4,81), México (5,2), Peru (6,02) e Paraguai (5,16). Apesar de crescer mais que alguns desses países de 1985 até 2000, o Brasil entrou no século XXI com número de anos de escolaridade baixos em comparação aos mesmos países, sendo Brasil (4,88), Alemanha (10,2), Estados Unidos (12,05), Argentina (8,83), Bolívia (5,58), México (7,23), Bolívia (5,58), Paraguai (6,18).

Esse atraso com relação ao mundo está diretamente relacionado com a evolução de gastos com educação de 1930 até a promulgação da constituição no final da década de 1980. O Brasil gastava cerca de 1% do PIB em educação até 1960. Esse patamar se eleva para 2,5% na segunda metade da década de 1960 e chega ao patamar de 4% apenas com a promulgação da constituição em 1988, se aproximando do nível de gastos de países desenvolvidos.

O custo do atraso educacional é brutal. Na sua dissertação “Taxas de matrícula e gastos em educação no Brasil”, Paulo Maduro Junior reuniu dados agregados de taxa de matriculas e despesas com educação de 1930 até 2006. Com isso realizou um estudo de história contra factual, ou seja, supondo que nesse período a sociedade Brasileira tivesse preocupação com educação, qual seria o efeito no desenvolvimento do país?

Se o país tivesse se empenhado em colocar crianças na escola e universalizar o ensino primário e secundário ainda na década de 1950, em um primeiro momento teria que gastar muito mais em educação, chegando a 12-14 % do PIB até que a universalização fosse alcançada e indo para em torno de 5% do PIB de dispêndio em educação na década de 2000. A contrapartida desse foco em educação seria de uma renda por trabalhador 27% maior em 2006.

Esse exercício foi atualizado por Pessôa, o Professor de Yale William Summerhill e Edmilson Varejão para período entre 1930 e 1980, ajustando os efeitos para existência de serviço para ajudar aos alunos que apresentam problemas de desempenho e para os repetentes. Tipo de serviço ofertado no Instituto Ayrton Senna, o “Acelera Brasil”, ou em escolas do mais alto padrão aqui no país. O impacto é altíssimo. Dependendo do tipo de serviço adicional ofertado para as crianças com dificuldades de aprendizado, o efeito seria de uma renda por habitante de 47 a 98% maior do que foi em 1980.

 Isso significa que hoje, por baixo, o país que é hoje mais pobre que a Guiné Equatorial e Costa Rica, poderia ser em 2011 mais rico que o Chile ou próximo de Portugal. O efeito colateral desse investimento seria também relevante, pois haveria sido evitada parte da marginalização, favelização e criminalidade nas cidades.

Os resultados trazem evidências para o que já sabíamos: desistir de uma criança é caro para o país! É o erro histórico que tem efeitos acumulados até hoje.

O nacional-desenvolvimentismo deve uma justificativa ao país por negligenciar a educação. Celso Furtado, talvez o mais influente pensador sobre desenvolvimento econômico do hemisfério sul, nunca viu na educação papel relevante para gerar crescimento, reduzir desigualdade e pobreza. Apesar da consolidação teórica do papel da educação no desenvolvimento ocorrer entre 1970 e 1990, não só países que se tornaram ricos, como também pensadores Brasileiros mostraram muito claramente o papel econômico da educação.

Entre eles, Eugênio Gudin, já era um senhor quando suas argumentações consistentes e bem elaboradas provocavam os desenvolvimentistas. Foi uma figura impressionante não só por viver 100 anos, como também por ser um homem à frente de seu tempo na prática da economia. Um exímio empirista, sempre buscando adequar a teoria às evidências, e não o inverso.

Prova disso são suas inúmeras contribuições ao debate público. Em 1953 criticou severamente a instituição da “Sociedade por Ações Petróleo Brasileiro S.A“(Petrobrás) na lei 2.004 sancionada pelo Presidente Vargas. Seu diagnostico certeiro para os problemas brasileiros em seu artigo “Produtividade” publicado na Revista Brasileira de Economia em 1954, é ainda atual para o Brasil de hoje.

Gudin, reconhecia ainda que a criação de uma instituição como a CEPAL é de extrema importância para as economias subdesenvolvidas. Entretanto, diferentemente do rumo que as coisas tomaram, discordava de se estudar economia de um modo afrodisíaco como foi feito nesse lado do hemisfério. Os modelos econômicos seriam os mesmos usados em todos os lugares do mundo, apenas os parâmetros seriam diferentes. Estudar as particularidades locais seria encontrar os parâmetros daquela realidade; e, não criar uma visão de mundo sem avaliação das evidências.

 Todo o seu posicionamento frente às políticas que o Brasil precisava derivam do diagnóstico de que a economia estaria consistentemente em pleno emprego. O problema era de oferta, capacidade de produzir. Ou seja, incentivar com que as pessoas e o estado consumam mais só traria inflação. Segundo ele deveríamos aumentar a oferta de produtos aumentando a competitividade de pessoas e empresas, e atraindo investimentos. Assim como casos bem-sucedidos fizeram: i) Identificaram vantagens comparativas; ii) Formaram de mercado de capitais para viabilizar investimentos; ii) educaram adequadamente a população; iii) Evitaram intervencionismo indiscriminado.

O economista Carlos Langoni documentou a importância da educação para redução da desigualdade e construção da riqueza com um cuidado técnico impressionante, já em 1974 em pesquisa que se tornou livro chamado “Distribuição de Renda e Desenvolvimento Econômico no Brasil”. Seu trabalho é brilhante ao elucidar e legitimar com dados o que minha mãe e avó já sabiam: um ano a mais de educação no Brasil tem impacto na renda elevadíssimo.

Desse modo, o fracasso econômico de negligenciar a educação no século XX não pode ser atribuído à escassez de intelectuais com ideias fundamentadas sobre sua importância. A sabedoria popular tende a acreditar que o investimento em educação nunca ocorreu pela combinação de inexistência de demanda da parcela da população pobre e marginalizada com a ausência de políticos visionários e corajosos o suficiente para comprar essa ideia.

Essa argumentação foi duramente rebatida na tese de livre docência do Professor da USP Renato Colisteti, chamada “O atraso em meio à Riqueza”. É uma tese realmente impressionante, com uma minuciosa coleta de dados de matriculas, petições públicas e audiências parlamentares entre 1835 até 1920.

Primeira constatação do autor é que havia forte demanda da sociedade por educação primária, mesmo entre mães e país escravos ou analfabetos. A segunda constatação é que já existiam, ainda no Brasil Império, a consciência e planos técnicos detalhados de como recuperar o atraso educacional do Brasil frente ao mundo. O debate era muito qualificado entre publicistas, governantes e técnicos de diferentes linhas doutrinárias. Por fim, na passagem do Império para a república o esforço para reduzir o atraso educacional reduziu mesmo frente ao aumento extraordinário das receitas oriundas do aumento das receitas oriundas do café.

Por que então, desde o inicio a educação foi negligenciada? A conclusão está relacionada em grande medida à organização das instituições políticas no Brasil. As demandas ocorriam nas províncias e municípios, mas as políticas eram centralizadas. Assim como há desde o Brasil Império certa atração pelo patrimonialismo de Faoro, há também pela centralização. Pelas decisões tomadas de cima para baixo.

O pacote de maldades do nacional-desenvolvimentimo ainda assola a sociedade Brasileira moderna. Em entrevista ao programa Roda Viva, o então Ministro da Educação, Mendonça Filho, fala claramente que educação no Brasil não dá voto. Não há, hoje, uma mobilização por parte da sociedade efetiva em melhorar a qualidade educacional.

Aliás, não da para entender como intelectuais, ainda hoje, protestam contra corte de recursos para Ciência e Tecnologia, ao mesmo tempo que são contra a reforma da previdência. As corporações não são só os industriais da FIESP. São também as associações de professores, juristas e outros funcionários públicos que estão atrás das piores políticas públicas, em troca de maiores privilégios para a categoria.

Cá entre nós, o diagnóstico da CEPAL de Furtado e Prebisch não sobrevive quando se avaliam as evidências. Primeiro, nunca houve tendência à queda dos preços de commodities, uma vez que eles são cíclicos. Veja o caso do boom de commodities que permitiu crescimento rápido da renda no primeiro e segundo governo Lula. Ademais, na geração Startup, sabemos que a riqueza vem da criação e design do produto e não das fabricas. A produção da Apple não está no Vale do Silício, e ainda assim, o seu valor de mercado corresponde a cerca de metade do PIB Brasileiro. Por fim, a culpa é inteiramente nossa por não desenhar um plano de país, educando a população, encontrando a nossa vocação e realizando intervenções muito cuidadosas com base em evidências e avaliações.

Surpreendentemente, para os aficionados do debate esquerda vs direita, educação e bolsa família são políticas públicas de cunho liberal. Ao passo em que iniciativas bem desenhadas por parte do estado, como a EMBRAPA, ajudam a explicar o sucesso enorme da agricultura Brasileira nos últimos 30 anos. O debate ideológico é inútil para explicar o porque países ricos são ricos.

Na tragédia grega de Pandora, quando ela se dá conta do que escapa da caixa, rapidamente a fecha. Uma última qualidade fica no seu interior: a esperança.

Durante gerações se discutiu se a esperança seria uma qualidade boa ou ruim. Por um lado, ela ajuda a sociedade a se manter viva. Por outro, faz com que o sofrimento persista.

Pois é, na minha opinião, a esperança que o Nacional-Desenvolvimentismo dê certo foi o que nos fez tentar novamente políticas fracassadas, como a dos “Campões Nacionais”, o incentivo à indústria automobilística com o ROTA 2030, criação da custosa Zona Franca de Manaus, da criação da indústria naval, entre tantas outras políticas públicas com pobreza técnica surpreendente para o século XXI.

O custo para a sociedade foi imenso: i) desequilíbrio das contas públicas; ii) inflação elevada; iii) burocracia e corrupção; iv) empresas e pessoas improdutivas; v) a criminalidade aumentou; e, vi) os resultados no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) são vergonhosos quando comparados com os nossos vizinhos.

Desejaria que no caso da caixa do Nacional-Desenvolvimentismo o último item se referisse não à esperança de que o plano desse certo em algum momento, mas sim a coragem de assumir os erros, dialogar e mudar.

A julgar pelo despreparo do Ministério da Educação e da incapacidade de resgatar o diálogo do governo atual, a frustração de Pandora continuará.

Felipe Araujo de Oliveira Formado em economia pela UFPB, e mestrando em economia aplicada. Apaixonado por economia baseada em evidências, é interessado em política monetária e fiscal, econometria financeira.

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