Livecracia: uma solução que pode ter se tornado praga

Desde que a capital do Brasil se transferiu do Rio de Janeiro para Brasília, junto de todo o aparato do poder político federal — como o Congresso Nacional e o Senado — uma grande crítica passou a ser constantemente feita: o quão distante tinha se tornado a atuação dos políticos em Brasília com relação aos interesses do povo.

Presidente, deputados federais e senadores basicamente só entravam em contato com a população (mais conhecidos como potenciais eleitores) no período das eleições, sendo que tão logo passava o período eleitoral, os representantes do povo, recém-eleitos, voltavam a se enclausurar em Brasília. Durante o período de luxuoso enclausuramento, os políticos geralmente cultivavam o hábito esquecer os seus eleitores, situação incômoda na qual não havia muito o que se fazer, dado que manifestações em Brasília historicamente são inviáveis, por motivos que vão desde ao aspecto geográfico até a questão logística. E como é sabido, grande parte das pessoas tem memória curta, não guardando muito bem frases e promessas feitas quatro anos atrás, situação agravada por sorrisos e tapinhas nas costas.

Mas a popularização das mídias sociais daria um basta a essa incômoda situação de prometer e esquecer, pois mais do que aproximar parentes e amigos, mídias como o Facebook, o Twitter e o Whatsapp serviram para diminuir a distância entre o eleitor e o seu representante em Brasília. As mídias sociais teriam sido a grande solução para um problema que atormentava o povo brasileiro há mais de sessenta anos.

Porém, essa questão se revelou mais complexa do que parecia, e a tal grande solução pode na realidade ter se tornado em uma verdadeira praga. Devido a esse maior controle pós-eleição, parece que os políticos eleitos passaram a ser mantidos presos em um sistema de candidatura perpétua. As lives que foram popularizadas por alguns candidatos durante as eleições de 2018, tornaram-se frequentes mesmo após ao pleito eleitoral, muitas vezes sendo usadas como termômetro para determinadas decisões políticas, o que parece ter transformado a política brasileira numa espécie de Livecracia.

O senador Jorge Kajuru, por exemplo, decidiu abrir enquetes para os seus eleitores, sempre que for necessário votar sobre pautas polêmicas. Kajuru não é o único político/candidato a ter esse tipo de postura, pois basta observar deputados como Alexandre Frota e Joice Hasselmann que sempre parecem estar com um olho no plenário e outro em likes e comentários no Twitter. 

O presidente Bolsonaro talvez seja o maior representante da Livecracia no país, pois, seja cortando o cabelo ou visitando alguma celebridade, o mandatário máximo da República parece fazer questão de manter contato estreito com a sua base eleitoral por meio de corriqueiras lives e quase diárias twittadas. Prova disso — fora as lives, claro — são os recuos do presidente acerca de determinadas decisões, algo que frequentemente ocorre quando determinada decisão parece não agradar os seus eleitores.

Não é possível desconsiderar alguns dos avanços trazidos por essa tal Livecracia, ao mesmo tempo que não se pode negligenciar os seus sérios efeitos colaterais. Na medida em que políticos eleitos tornam-se eternos candidatos, a preocupação passa a ser única e exclusivamente o mantenimento a qualquer custo da popularidade. Em um ano cuja agenda é inevitavelmente impopular, devido a atual situação econômica do país e a necessidade de se votar em sérias reformas estruturais — como a da Previdência — essa busca ininterrupta por altos níveis de aceitação pode ser altamente nociva para o país.

O instrumental formal da Teoria dos Jogos talvez possa dar uma melhor resposta para essa questão, mas um exemplo simples, sem grande formalismo, pode já ser bem elucidativo. Até o término desse texto, a proposta de Reforma da Previdência tinha sido aprovada na Câmara, indo tramitar no Senado. Imagine que antes da votação na Câmara uma declaração como “A Reforma da Previdência matará os mais pobres”, tivesse viralizado? É provável que o resultado da votação tivesse sido diferente, dado que candidatos só se preocupam em se eleger. No jargão da Teoria dos Jogos, os políticos seriam jogadores dotados permanentemente do objetivo reeleição, sendo todas as suas jogadas voltadas única e exclusivamente para isso. 

Com a Livecracia, parece ter sido solucionado a questão da distância entre políticos e eleitores, mas é provável que esta acabou tornando ainda maior a distância entre as decisões que são importantes para a nação e as que são importantes para uma reeleição. Infelizmente, nem sempre a voz do povo é a voz de Deus. 

Lucas Adriano

Mestre em Economia e bacharel em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Vindo de Ponte Nova (MG), cruzeirense e fã de observar a abordagem econômica sendo utilizada nos mais diversos assuntos. Espera um dia poder dar a sua contribuição para a Ciência Econômica.

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