Negócio da China: o barato pode sair (muito) caro

Em momento de fragilização e ajuste das economias emergentes, sobretudo na economia brasileira, foi anunciado na semana passada a definição de 35 acordos entre Brasil e China, no qual segundo as estimativas, deve alcançar à astronômica cifra de US$ 53 bilhões, abarcando diversas áreas de planejamento, desde o badminton e tênis de mesa [1] à cooperação com a astronomia; porém as grandes vedetes serão a infraestrutura, comércio, energia, mineração e ferrovias. Pois bem: “Quando a esmola é muita o santo até desconfia”, então é importante nos atentarmos as notas de rodapé deste contrato sino-brasileiro.

A nação chamada China

Inicialmente é fundamental lembrar que estamos tratando da República Popular da China, uma potência em franca expansão, a segunda maior economia do mundo em termos de PIB, a maior reserva internacional em dólares, poder bélico e nuclear, de um Estado que mescla características autoritárias (na política) e de mercado (na economia). Além disso, está passando por um processo de urbanização da sua população, dos quais 1,4 bilhões de pessoas –número continua crescendo- estão entrando em contato com a nova sociedade de consumo e globalizada. Na esteira dos acontecimentos, a China, principalmente após a crise do sub-prime em 2008 nos EUA, se viu obrigada a alterar os destinos de suas exportações, iniciar investimentos ao redor do globo e, principalmente, firmar acordos comercias com diversos países (existem informações que atualmente já celebram transações com a Rússia em moeda local) [2]. Fundamental também lembrar que a economia chinesa vem se desacelerando e alterando seu modelo econômico, antes dinamizado pelas taxas de investimentos cavalares e grandes exportações. Agora, o plano do Estado chinês é apostar todas suas fichas no consumo interno e de massas.

E como o Brasil entra na história?

Não é por fatalismo do destino que todos esses contratos foram firmados: é sabido que o gigante asiático é o nosso maior parceiro comercial, consome em média 20% da pauta de nossas exportações, o que em certa medida foi benéfico para o período recente da economia brasileira, permitindo a entrada de divisas, melhorando o nosso saldo de contas externas e dinamizando a economia local (para os mais céticos essa é uma das grandes explicações para o sucesso do modelo econômico do governo atual, e que agora demonstra seu profundo enfraquecimento).

gráfico 1

Sendo assim, se observamos a evolução do saldo comercial (exportação menos importações) demonstrando no Gráfico 1, notamos a grande evolução recente, de pequenos USD 0,6 bi em 2001 para USD 3,3 bi no final de 2014, incremento de aproximadamente 450% no período. No entanto, é ainda mais relevante observar que esse saldo já foi relativamente bem maior em anos anteriores, sobretudo no pico de USD 11,5 bi em 2011, ou seja, o volume transacionado entre os países já apresentou valores bem mais robustos, mas principalmente que contribuíram positivamente a economia brasileira positivamente. A retração recente e a consequente dependência da economia brasileira em relação à chinesa possuem impactos nas contas externas do país e também na atividade econômica, se levarmos em consideração a tragédia do ano passado na balança comercial brasileira, que encerrou negativamente em – USD 3,9 bi, o pior resultado desde 1998. Levando em consideração somente os chineses, a retração foi de mais de 200% em apenas um ano.

gráfico 2

O gráfico 2 confirma a hipótese da dependência. Se comparamos os saldos comerciais somente China com a balança comercial total, notamos a escalada dos números, o aumento da participação e, principalmente (e o mais preocupante), a grande volatilidade dos últimos anos. Por exemplo, em 2013, superou em mais de 380% os valores líquidos exportados. Mas o que provocou tal oscilação? E ainda, porque sistematicamente pode ser prejudicial para a economia? Vamos ao segundo tópico.

Commodities

Novamente aos dados [3], segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC):

lalala

O jargão “doença holandesa” (Dutch Disease) faz referência à alta especialização de uma economia em bens primários em detrimento ao desenvolvimento sustentável de indústrias manufatureiras ou de transformação. Pois bem, segundos os dados de janeiro a abril de 2015, aproximadamente 78% de nossa pauta exportadora é composta por commodities, visto que priorizamos a exportação de bens primários ao invés de produtos com maior valor agregado. Isto é, somos especializados em atender a demanda do mercado externo. Não é à toa que somos conhecidos como “celeiro do mundo”, no caso, o celeiro chinês. Muitos podem dizer que a “primarização” de nossa economia não é em si um fator ruim, mas o ponto central é: os preços de commodities são determinados externamente. Considerando que o último recente boom já se encerrou, e o padrão cíclico é uma tendência negativa, os preços tendem a ser cada vez menores. Tomemos como base o interessante gráfico elaborado recentemente pelo Departamento Econômico do Banco Itaú BBA [4]. A tendência nos últimos 100 anos, em termos reais, é claramente de queda, o mais recente boom foi dinamizado pela própria China, e nós aqui na Terra Brasilis surfamos com este vento favorável e, claro, deixamos de promover as reformas estruturais necessárias.

itau

Agora, com o estabelecimento destes novos acordos, corremos o risco do aprofundamento ainda maior da especialização, sob a justificativa de atender o mercado chinês, sendo que a longo prazo a geração de divisas para o país será cada vez menor (e consequentemente maior déficit externo). Pior, continuaremos sempre anos-luz distante da alta tecnologia e dos grandes pólos de pesquisa. Enquanto os produtos chineses inundam nosso mercado, muitas vezes quebrando a concorrência interna (a indústria têxtil não nos deixa mentir), continuamos a exportar minério e soja para o outro lado do mundo.

Conflitos Institucionais

Pois bem, avançado agora para o campo da aplicabilidade dos projetos, imaginemos a seguinte imagem: de um lado as forças do Estado chinês, com suas construções megalomaníacas, construídas em prazos recordes, adeptos de relações trabalhistas muito mais flexíveis, de baixos salários, altamente dinâmicas e focadas em resultado. Do outro lado, temos as forças do Estado brasileiro, por muitas das vezes (ou todas?) corrupto, burocrata, leniente, ineficiente e, principalmente, defensor de uma política muito rígida em favor dos trabalhadores. O conflito parece iminente. O “Império do Meio” sabe muito bem o que quer por aqui e está em busca de seus interesses. Com certeza esses conflitos irão se concretizar, tanto na esfera pública, como na esfera privada, o que consequentemente no curto e médio prazo não resolverá nossos problemas de infraestrutura, muito menos dos indicadores econômicos atuais. As experiências passadas podem nos servir de guia.

Projetos Inacabados

Então estamos saindo do falido projeto trem bala Rio de Janeiro – Campinas e agora vamos para o trem chinês dos Andes, que atravessaria o Brasil – Peru, (será mesmo?) Abaixo, segue uma lista com diversos projetos que se iniciaram no Brasil, sempre de valores bilionários – mas que por diversos motivos, como menor rentabilidade esperada e burocracia estatal – nem sequer saíram do papel. Seguem alguns exemplos de que, no longo prazo, os acordos podem não passar de meras formalidades:

2010 – No Rio de Janeiro, a Wuhan Iron e Steel, anunciou que investiria US$ 3,5 bi para construir uma siderúrgica em sociedade com Eike Batista, evidentemente, foi cancelada; 2011 – Em Goiás, a estatal Sanhe Hopful anunciou investimento de US$ 7,5 bi em produção de soja e infraestrutura, projeto não saiu do papel; 2011 – A montadora JAC anunciou a construção de uma fábrica, com investimento de cerca de US$ 300 mi, mas ainda está à espera da liberação do financiamento do estado baiano. 2012 – No Mato Grosso, o Banco de Desenvolvimento chinês assinou um contrato com o estado de financiamento para construir uma ferrovia entre Cuiabá (MT) e Santarém (PA), o projeto está parado desde o ano passado.

No total, segundo um levantamento feito pela Folha de São Paulo [4], somam-se USD 24 bilhões de obras paradas por todo o país. E ainda, dos 35 acordos assinados na semana passada, apenas 14 possuem garantias firmes e recursos certos para sua concretização. Será que passada toda a euforia, os projetos representarão apenas um jogo de influência e de poder por parte dos chineses?

Interesse Chinês e o Afastamento das Economias Centrais O ponto mais importante, a maior aproximação do Brasil com a China pode promover um maior (um ainda maior) afastamento das economias centrais, sobretudo dos EUA e do centro europeu, e por consequência de maiores e melhores investimentos estrangeiros, voltados a pesquisa e desenvolvimento, isso sem a diminuição da influência e soberania brasileira em toda a América Latina. Principalmente porque o principal plano chinês é realmente de se estabelecer como uma grande potência global. Se tomarmos como base seus investimentos expansionistas e, muitas vezes, “estranhos” ao redor do mundo, possuem mais de USD 119 bi na África Subsaariana, USD 84 bi no Oeste Asiático e mais de USD 77 bi na América do Sul [6]. Nesse caso, o Brasil entraria como mais uma peça estratégica nesse grande tabuleiro. Distribuição geográfica dos investimentos chineses no mundo (Em bilhões de dólares)[6] mundo

Na África, inclusive, as características dos investimentos realizados se aproximam de uma dominação político-econômica semelhante ao imperialismo do início do século XX.

Mas e agora?

Precisamos de atenção nesse momento. Os chineses se interessam no Brasil devido ao momento politicamente delicado que vivenciamos aqui, e pela abundância de recursos acolá. Para o Brasil, em um período de escassez de recursos para investimentos, recorrer à poupança externa (em yuans) não parece ser um mau negócio. Mas, então, seria uma relação do tipo ganha-ganha? Na retórica, vendem um grande plano de investimento que irá transformar o país, mas na prática estão interessados em nossos recursos naturais e em nosso gigante mercado consumidor. Infelizmente, tendo em mente que, na vida, não há almoço grátis [7], as contas política e, principalmente, econômica podem ser pagas daqui a alguns anos.

Arthur SolowPedro Lula Mota Editores do Terraço Econômico

Notas

[1] http://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,brasil-e-china-assinam-acordo-para-tenis-de-mesa-e-badminton,1690243 [2] http://rt.com/business/254305-russia-china-trade-business/ [3] http://www.desenvolvimento.gov.br//sitio/interna/index.php?area=5 [4] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1632160-promessas-nao-cumpridas-da-china-somam-us-24-bilhoes.shtml [5] https://www.itau.com.br/itaubba-pt/analises-economicas/publicacoes/macro-visao/declinio-secular-das-commodities-de-volta-a-tendencia [6] Fonte: http://www.heritage.org/~/media/Images/Reports/2013/07/ib3990_map1_825.ashx – Acesso em: 14 abr. 2014 [7] http://rascunho.gazetadopovo.com.br/uma-ideia-a-venda/

Pedro Lula Mota

Economista pela UNICAMP, como passagem pela Universidade do Porto - Portugal. Admirador da arte da fotografia, principalmente de lugares extremos e excêntricos.

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