O mecanismo de ação do colonialismo

Você possivelmente já ouviu na escola que a Europa enriqueceu porque colonizou o resto do mundo. Para além da simples razoabilidade (ou não) da narrativa, cabe a pergunta: qual teria sido o mecanismo de ação? 

Em economia não basta afirmar que A aconteceu e B também, para então dizer que A causou B; é necessário explicar o que aconteceu, como aconteceu, e testar a força da proposição empiricamente. Como até hoje não foi fornecida uma resposta convincente para essa pergunta, a crença de que o colonialismo tenha sido fundamental ao desenvolvimento europeu não é majoritariamente aceita na academia de economia. Por algum motivo curioso, o que acontece na academia de economia parece não chegar à academia de história, e algumas narrativas ainda continuam sendo propagadas por aí como se tivessem bastante prestígio.

A hipótese mais vulgar para sustentar a tese do colonialismo como propulsor do desenvolvimento é de que as metrópoles “extraíram as riquezas” das colônias, e por isso enriqueceram. Mas até onde a gente sabe, este mecanismo não seria capaz de gerar crescimento econômico sustentado, que é sempre caracterizado pelo aumento da produtividade do trabalho, e não por um festival de consumo financiado com importações. O roteiro seria mais ou menos esse, bem descrito por David Hume no século XVIII:

1) O fluxo de metais da colônia para a metrópole inflaria os preços e os salários na metrópole devido ao aumento da liquidez;

2) preços e salários mais altos tornariam os importados mais vantajosos;

3) cresceriam as importações;

4) na medida em que importassem mais, o déficit comercial da metrópole com outros países começaria a crescer até que ele se igualasse à entrada de metais advindos das colônias.

Estes metais poderiam ser extraídos diretamente das colônias ou ser um pedaço da renda tributada e enviada para a metrópole. Convenhamos que a extração de renda até tornaria a vida dos colonizadores temporariamente mais confortável, mas a farra só duraria enquanto a extração continuasse, sem acréscimo interno da produtividade. Foi precisamente o que aconteceu com Espanha e Portugal em seus ciclos coloniais do ouro. 

Uma hipótese mais sofisticada, levantada por teóricos da dependência, como Eric Hobsbawm e Immanuel Wallerstein, é de que os privilégios de comércio das companhias colônias geravam lucros de monopólio nas metrópoles, e como a propensão a poupar a partir dos lucros é maior do que a partir dos salários, a poupança nos países colonizadores crescia e o investimento também. O investimento mais alto, por sua vez, geraria mais acúmulo de capital, e consequentemente mais crescimento econômico às custas dos colonizados. Só que esta visão foi severamente enfraquecida na academia em dois grandes golpes:

1) O modelo de crescimento de Robert Solow, que rendeu um nobel ao autor e está presente em qualquer manual de macroeconomia, sugere que a única fonte de crescimento de longo prazo é o aumento da produtividade total dos fatores (PTF). A PTF é basicamente um componente relacionado à capacidade de um país, região ou firma, de combinar mais ou menos eficientemente os insumos de produção. Os países crescem porque conseguem usar a mesma quantidade de gente, com os mesmos bens de capital, para produzir cada vez mais, e não porque acumulam indefinidamente mais capital. No modelo Solow, um aumento na taxa de poupança até gera crescimento econômico, mas temporário, devido aos retornos marginais decrescentes do capital. Este arcabouço teórico nos faz crer que um aumento na taxa de investimento na metrópole até aumentaria o nível de renda dos colonizadores às custas dos colonizados, mas não a taxa de crescimento; sendo, desta forma, completamente insuficiente para explicar a enorme divergência de renda verificada desde a revolução industrial.

2) O famoso artigo de Patrick O’Brien na década de 80, European economic development: the contribution of the periphery (1982), mostrou, utilizando dados relacionados ao comércio dos capitalistas envolvidos em comércio com países periféricos, que o comércio colonial foi pouco significativo para explicar a taxa de formação de capital na metrópole. O artigo termina com o célebre trecho:

“Except for a restricted range of examples, growth, stagnation, and decay everywhere in Western Europe can be explained mainly by reference to endogeneous forces. The “world economy”, such as it was, hardly impinged. If these speculations are correct, then for the economic growth of the core, the periphery was peripheral.”

Assim, a teoria da dependência caiu em descrédito. Uma explicação alternativa poderia se amparar na literatura moderna sobre crescimento tecnológico endógeno, que rendeu nobel a Paul Romer ano passado. No modelo de Romer, um aumento na taxa de poupança que derrube a taxa de juro pode estimular inovações ao tornar vantajoso investimentos em P&D cuja taxa interna de retorno sejam mais baixas. Assim o aumento da inovação geraria aceleração da PTF, proporcionando crescimento econômico sustentado. Acontece que esta seria uma explicação completamente anacrônica e pouco crível. Grandes departamentos de pesquisa e desenvolvimento são instituições que se consolidaram no século XX, e não no período colonial, tampouco durante as primeiras revoluções industriais. As grandes inovações até o século XX, que abarcam agricultura, indústria têxtil, energia a vapor, eletricidade e outros, foram tocadas por indivíduos imaginativos, e não por ambiciosos projetos corporativos, potencialmente sensíveis à taxa de juro. Ninguém realmente crê que a máquina a vapor foi inventada no Reino Unido e não na França porque a taxa de juro britânica era mais baixa, né? Faz muito mais sentido associar o boom de inovação neste período à mudança no ambiente institucional nos países, e é exatamente o que o mainstream na área tem como estado da arte em teoria do crescimento econômico hoje em dia.

Autores como Douglass North, nobel por seu trabalho fantástico em história econômica e crescimento econômico, demostraram que instituições como parlamento forte, limitações aos poderes do executivo, judiciário independente e outros, conferiam maior estabilidade das regras do jogo. Outras instituições, como direitos de propriedade e patentes, permitiam que os indivíduos internalizassem os benefícios de suas atividades. Todas estas coisas, em conjunto, representaram uma revolução institucional encabeçada pela Inglaterra, as quais criaram incentivos contínuos para a inovação e para o direcionamento permanente dos insumos de produção em seus usos mais eficientes. Para a visão academicamente dominante na economia hoje, a mudança institucional foi a grande fonte do enriquecimento ocidental, e não o colonialismo. Trabalhos clássicos na área são “The rise of the western world” (1973), “How the west grew rich: the economic transformation of the industrial world” (1986) e “Institutions, institutional change and economic performance” (1990).

Dentro da perspectiva mainstream, a colonização é mais encarada como efeito do que como causa do enriquecimento dos países europeus. O avanço institucional nestes países proporcionou um ambiente propício para a inovação tecnológica, que gerou crescimento da renda e transbordamento para a tecnologia bélica, levando à superioridade militar dos europeus em relação aos demais povos; e isto conduziu, por fim, à subjugação do resto do mundo. Apesar de não tornar os europeus mais ricos (PIB per capita), a colonização tornava os estados europeus mais poderosos (PIB total, população recrutável, portos ultramarinos), e, desta forma, tinha motivo de sobra para acontecer do ponto de vista das elites que comandavam o processo.

Entretanto, dizer que a colonização não deve ter enriquecido os países colonizadores não significa dizer ela não teve efeito nenhum sobre o nível de renda atual dos países colonizados. O consenso entre os historiadores econômicos e teóricos do desenvolvimento é que a colonização deixou influência profunda nas instituições dos países. Processos de colonização que fomentaram instituições inclusivas, que promovem o respeito às liberdades individuais e aos contratos, ajudaram no desenvolvimento posterior das nações colonizadas (exemplos: EUA, Canadá, Austrália); já processos colonizadores que fomentaram instituições extrativistas, que promovem o rent-seeking e a corrupção, ajudaram na estagnação posterior das nações colonizadas (exemplos: todos os países da América Latina e África). Instituições inclusivas fomentam a obtenção dos fatores promotores do desenvolvimento, instituições extrativistas não. Essa é a tese neoinstitucionalista encabeçada por Acemoglu et al. Recomendação de leitura: “Why Nations Fail” (2012).

Basicamente, nós temos boas razões para acreditar que o colonialismo pode ter prejudicado grande parte dos países colonizados, mas não para crer que tenha enriquecido os países colonizadores, já que o ponto central desta discussão são as instituições, e estas não são construídas em um jogo de soma zero.

Alex da Matta

Membro da página Economia Mainstream

 

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