O peso da obsolescência

Faz tempo que alguns setores da sociedade questionam a importância dos bancos de fomento, tanto para o desenvolvimento do mercado nacional em condições consideradas como “ideais de mercado”, quanto para aquecer a economia em momentos de recessão.

Pela perspectiva mais liberal, que se afasta do modelo de fomento ativo com recursos públicos, o financiamento de longo prazo para empresas deveria ser equacionado pelo mercado financeiro, em contraste àqueles realizados por intermédio incentivos e financiamento estatais.

Desse modo, sejam em políticas industriais em condições normais de temperatura e pressão, ou em políticas anticíclicas nos momentos de crise, ao se diminuir o protagonismo dos bancos de desenvolvimento, abre-se espaço para um mercado privado de juros mais funcional e eficiente.

Essa lógica não nos parece tão absurda, pois um país desenvolvido – e com um mercado financeiro dinâmico – dispensa-se instituições estatais que assegurem financiamentos de longo prazo. Somente em países em desenvolvimento, cujo custo do capital é alto, existem bancos de fomento, para assegurar condições de financiamento e juros de longo prazo que incentivem os investimentos.

No caso brasileiro, tais ilações justificam diversos posicionamentos que entendem que, com a queda gradual dos juros – assim como a modernização do mercado financeiro – a participação dos bancos de fomento deveria, em igual passo, ser reduzida. De modo a que um dia, chegássemos a um patamar de desenvolvimento que dispensaria a existência de tais instituições.

Todavia, apenas em parte esta lógica faz sentido, vez que, de fato, financiamentos a projetos cujo valor intelectual agregado é baixo, a exemplo da construção de uma ponte ou a modernização de um parque industrial, poderiam ser resolvidos pelo sistema privado, caso houvesse um mercado de juros competitivo e abundante. Isto, porque consistem em atividades que podem ser muito lucrativas ao investidor privado, com fluxos de caixa planejados e com alto grau de predição, não havendo qualquer sentido na interferência estatal.

Por seu turno, se tratarmos de capital de risco e projetos de maior valor intelectual agregado a estória se complica, vez que o grau de risco tecnológico, por um lado afasta os juros mais conservadores, por outro, encarece o capital de risco.

Dessa sorte, a existência de alto risco tecnológico consiste num fator determinante da presença estatal!

Não fosse assim, países como os Estados Unidos, arauto do liberalismo econômico, não teriam instituições paramilitares como o Darpa, cujos subsídios nortearam diversas inovações na área militar e que desencadearam, anos mais tarde, no Arpanet, embrião da internet como hoje conhecemos. Sim, é preciso salientar que a internet é fruto de investimento estatal em ciência e tecnologia,  nem mesmo os economistas mais ortodoxos de Chicago poderiam contestar! Outros países como a França e Alemanha também possuem instituições de incentivo tecnológico, respectivamente a Oseo e o KFW.

Mas e o Brasil? Será que passou durante décadas patinando ou demovido da ideia da promoção de investimentos estatais em projetos especializados de tecnologia e inovação? Não seria este, o papel do BNDES?

Evidente que não! O BNDES consiste numa instituição burocrática, onde grande parte do seu gigantesco quadro de funcionários esteve, durante longas décadas, se especializando em tinta, porcas e concretos, com procedimentos redundantes e consumindo uma grande quantia de recursos públicos, que na era Dilma passaram de 100 bilhões de reais, boa parte oriundos do tesouro nacional, em financiamentos de baixo valor intelectual agregado.

Quando não muito, financiamentos em Cuba! Onde se lê: investimentos duvidosos do ponto de vista estratégico, de valor econômico e valor intelectual agregado.

No entanto, nada está perdido. Desde a década de 70, na primazia estratégica do governo militar, fora criada uma instituição fundada nestes três pilares: pesquisa, tecnologia e inovação, a FINEP, empresa pública federal que nascera no âmago do governo militar para fazer frente ao financiamento público dos países desenvolvidos em setores estratégicos, seja do ponto de vista econômico tecnológico, seja do ponto de vista geopolítico.

Todavia, ao passo que na era Dilma o BNDES com seus mais de 2.000 funcionários investia R$ 100 bilhões do Tesouro em cimento e laje, fazendo mais do mesmo, a FINEP, apenas com seus 600 funcionários, fazia muito com pouco, vivendo com parcos recursos, na ordem de R$ 4 bilhões, e sempre se esforçando para financiar projetos inovadores, bem como subsídios ao risco tecnológico, ou seja, investindo em projetos que nem mesmo o mercado privado dos países mais desenvolvidos teriam fôlego para investir.

Costuma-se dizer que se trata do dilema bricks and brains! Na medida que o BNDES tem foco em tijolos, a FINEP se orientava para financiar cérebros.

De fato, ao se pensar em pesquisa avançada como as tecnologias duais da área militar, seja em satélites, mísseis balísticos e afins, os recursos privados não possuem grande alcance, vez que a bússola do acionista é maximizar lucro com o menor risco, algo que projetos desta natureza e dimensão tecnológica se afastam completamente.

Assim, ainda na era Dilma, enquanto o BNDES aumentava seu corpo funcional e ampliava seus investimentos de baixa qualidade, a FINEP promovia programas de demissão assistida para reduzir seu funcional e tornar-se mais eficiente, com investimentos pontuais em projetos de áreas de fato estratégicas, tentando promover, ainda que com grande inanição, um investimento público realmente seletivo, com o condão de impulsionar a competitividade no país.

Contudo, o corporativismo do “primo rico”, com amplo acesso aos cofres do tesouro, acabou provocando um instinto de sobrevivência na FINEP, que passou cada vez mais a ser especializada e competitiva, fazendo mais com menos.

Em que pese hoje o BNDES ser um navio a deriva, a FINEP é uma pequena lancha que vem promovendo setores tecnológicos estratégicos, startups e tecnologias duais militares. Ainda que tenha tido um vigésimo de recursos a seu dispor designados para investimento publico.

É necessário salientar, que um país desenvolvido não precisa de um BNDES.  Todavia, nenhum país se mantém competitivo sem uma FINEP, uma Darpa, um KFW ou um Oseo.

Nos tempos de IBMEC, lembro bem de uma palestra do então educador e banqueiro Paulo Guedes, que, enquanto sócio daquela instituição de ensino dizia: “Porque o governo gasta tantos recursos com ensino superior público, quando seria mais fácil e produtivo patrocinar a nossa ideia? “

Fica a dica, ministro!

Arthur Valle
MBA do IBMEC,
Mestre em Administração pública pela EBAPE/FGV

Autor das obras:
Fortuna Imperatrix Mundi – Um alerta para a crise global, Muiraquitã, 1999.
A revolução do gás não convencional nos EUA: uma nova corrida do ouro?, TereArt Editora, 2015.”

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