O que a China Moderna e a Alemanha dos anos 1930 têm em comum?

Com o constante aumento da tensão entre Estados Unidos e China não é difícil encontrar paralelos da situação geopolítica atual com outros períodos da história da humanidade.

Uma das indisposições mais recentes entre as duas potências é o caso do fechamento do consulado chinês em Houston, no Texas, consulado qual o Governo Americano acusou de alta espionagem. Em retaliação, o Governo Chinês decretou o fechamento do consulado americano em Chengdu. Os dois consulados são estratégicos para espionagem de ambas as nações.

Houston por ser um dos principais centros de inovação, desenvolvimento e pesquisa tecnológica dos EUA e do mundo. Fechando o consulado chinês em Houston os Estados Unidos tentam inibir esse tipo de espionagem e reforçam à China que se demonstrarão cada vez mais resistentes sobre as questões tecnológicas. Estados Unidos e Inglaterra vêm mostrando bem essa resistência, principalmente sobre a questão da Huawei e do 5G (ou mesmo as disputas entre Trump e Tiktok), mas o resto do mundo não tanto.

Chengdu por estar em uma das regiões mais controversas do regime chinês. Chengdu localiza-se na província de Uighur, local onde há as questões da supressão do povo do Tibete e diversos campos de concentração e trabalho forçado de minorias árabes da região ou inimigos do Partido. O Ocidente obtém as informações sobre essa região possivelmente vindas de espionagem desse consulado americano.

A relação EUA-China não caminhava muito bem no decorrer dos últimos anos, além das disputas globais por poder e influência, iniciou-se a guerra comercial e, após isso, a China enfrentando problemas e resistências externas, principalmente dos Estados Unidos, e também internas, pelo modo como lidou com o início da pandemia, com acusações equiparáveis aos erros cometidos pela União Soviética no desastre de Chernobyl.

Com a instabilidade global atual, vimos a ascensão e consolidação do totalitarismo pelo mundo. Como exemplo temos Vladimir Putin perpetuando-se no poder, além de Hungria e Turquia que se tornam cada vez mais totalitários e com movimentos mais nacionalistas-populistas, ou até mesmo os problemas na recente eleição presidencial da Bielorrússia e a repressão de seus protestos (causando tensão por todo o continente europeu), eleição qual resultado mantém como presidente (que está no poder desde 1994) Alexander Lukashenko, também conhecido como o último ditador da Europa.

Esses movimentos tornam o mundo menos previsível, menos aberto a negociações e comércio e com menos cooperação global como um todo. Aumentando as tensões regionais, fronteiriças e até históricas. Temos desde a tomada da Crimeia pela Rússia, estranhamentos no Cáucaso, como entre Armênia e Azerbaijão, até tensões políticas e militares entre Grécia e Turquia, acentuadas pela conversão da basílica de Santa Sofia em uma mesquita.

Entramos em uma nova era, em que a hegemonia americana desde a queda da União Soviética e início dos anos 1990 não existe mais, e vemos surgir um mundo cada vez mais multipolarizado e instável. A partir disso, o mundo demonstra que sairá ainda mais protecionista e menos democrático dessa crise.

E o Ocidente passa a interpretar esses movimentos como uma possível influência do maior e mais bem sucedido regime totalitário do mundo: a China.

A China coloca em xeque os principais valores do Ocidente: Não é uma democracia, e ainda assim controla a maior população do planeta. Não segue o modelo econômico ocidental padrão (o corporativismo chinês é algo surpreendentemente eficaz e com suas próprias regras) e ainda assim é a segunda maior economia do mundo, caminhando para tornar-se a primeira. Direitos humanos e liberdade individual são termos não aprovados pelo Partido Comunista Chinês no vocabulário.

O país carrega as principais acusações de infringir os direitos humanos fora de uma zona de guerra. Há denúncias sobre campos de concentração de minorias no país, com evidências de trabalhos forçados e torturas

A perseguição étnica e religiosa são uma realidade há tempos praticadas pelo Partido. Há situações alarmantes, desde a apreensão de 13 toneladas de cabelo humano vindos da China suspeitas de terem saído desses campos de concentração, como o fato do governo chinês coletar órgãos, também de seus prisioneiros, para venda internacional, fazendo com que alguns países ocidentais proíbam qualquer transação do tipo com esse governo.

Ou o expansionismo chinês, muito bem demonstrado recentemente com a destruição da soberania de Hong Kong; as ameaças e exercícios militares feitos na fronteira com Taiwan, que possivelmente, e infelizmente, pode ter um destino parecido. Os desentendimentos e disputas fronteiriças com a Índia, ou o que todos os países das Ásia sofrem com os avanços da China pelo Oceano Pacífico e Mar da China, não respeitando qualquer delimitação ou tratado, causando até mesmo problemas com a Austrália, sendo este um dos assuntos que mais incomodam os EUA.

Vemos também se repetir uma corrida armamentista entre as nações, não só pela inovação bélica ou tecnológica em si (como aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, pela bomba nuclear), hoje particularmente com inteligência artificial e internet of things, mas também uma corrida espacial (como aconteceu na Guerra Fria, por satélites e a Lua), demonstrada pelas intensões e missões de ambas as potências, tanto Estados Unidos quanto China, de explorarem Marte.

Já que estamos no tema, permito-me citar Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia, e a segunda vez como farsa.” Porém, aqui temos uma segunda vez com potencial de ser tão trágica quanto a primeira.

Caminhamos para a segunda década do século XXI de maneira semelhante aos anos 30 do século XX? Perante o expansionismo chinês, qual será a invasão que romperá o limiar da paz como foi a invasão à Polônia em 1939? Ou quais mais atrocidades e desrespeitos aos direitos humanos farão o mundo começar a realmente se importar? E ao Ocidente, parafraseando Winston Churchill, escolherá a vergonha primeiro, e terá a guerra depois?

Aparentemente ainda há muito para acontecer nas relações entre Estados Unidos e China, e os próximos anos não parecem ser tão promissores; não só para as duas potências, mas também para as relações internacionais e geopolíticas como um todo. A situação atual acelerou alguns movimentos pelo mundo, e o que vemos acelerar são justamente as mudanças que tornam o mundo cada vez mais antidemocrático, protecionista e imprevisível. Numa era que deveríamos ser agraciados pela inovação tecnológica e desenvolvimento econômico vemos uma humanidade que, no advento de uma década que mal começou, caminha para ainda mais ignorância, desunião, instabilidade e demonstra-se cada vez menos esclarecida.

Para os fãs de Dark e para aqueles que questionam como chegamos até aqui, a máxima hermética nos traz uma verdade: “Sic mundus creatus est“.

 

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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