No dia 30 de janeiro de 2023, o Tesouro Nacional começará a comercializar o Tesouro RendaA+, que é uma nova opção de aposentadoria complementar. Por meio deste, o investidor pode planejar uma data para aposentadoria garantindo o recebimento de uma renda extra pelo período de 20 anos. Há possibilidades de investimento para até 40 anos de acumulação e, sempre, com mais 20 anos de fluxo de renda mensal no futuro.
O produto conta com a segurança da garantia do tesouro nacional (“livre de risco”) e com a isenção de cobrança de Taxa de Custódia da B3 para quem carregar o título até a data de vencimento, com o limite de até seis salários mínimos de renda mensal. Além disso, sua rentabilidade é atrativa por ser corrigida pelo IPCA e uma taxa de juros real. Na primeira percepção sobre o RendA+, a opção aparenta ser um “golaço” sob o ponto de vista inovador, uma vez que o Brasil será o primeiro país no mundo a, de maneira efetiva, implantar um título público com características previdenciárias.
Segundo o Tesouro Nacional, o RendA+ foi inspirado em estudos de Robert Merton (Prêmio Nobel Economia 1997) e Arun Muralidhar que introduziu o conceito de SeLFIES, (Standard-of-Living, Forward-starting, Income-only Securities), que são produtos financeiros os quais facilitam o processo de poupar para uma previdência complementar. Conforme o conceito, ele é acessível a qualquer pessoa, que pode determinar a quantidade de ativos que deseja adquirir, com taxas de retorno competitivas, de baixo custo e baixo risco. Entretanto, é importante ressaltar que o assunto vem sendo fomentado há algum tempo por alguns economistas que trouxeram o tema para o holofote. Por exemplo, o texto de Fábio Giambiagi, que há um pouco mais de um ano, junto com Mauricio Dias Leister, Arlete Nese e André Dovalski, explicou como o instrumento – o qual eles ainda se referiam como uma ideia – poderia funcionar. O artigo foi publicado pela FGV IBRE, intitulado “Tesouro Direto Previdência: Uma proposta de SeLFIES brasileiro para auxiliar o planejamento da aposentadoria”.
No Brasil, ao se falar em previdência, a maioria esmagadora da população tem em mente apenas o Registro Geral de Previdência Social (RGPS), o qual é regido pelo Governo Federal e administrado pelo Ministério da Previdência Social. As políticas referentes ao RGPS são executadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e o mesmo é de filiação obrigatória para todos os trabalhadores formais, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que contribuem com seus tributos diretamente, ou por meio de seus empregadores, mensalmente, com desconto em folha de pagamento.
Segundo a pesquisa Raio X do Investidor Brasileiro, realizada em 2021 pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em parceria com o Datafolha, apenas 3% dos aposentados utilizam a modalidade de previdência privada como parte do sustento. Uma das razões é a dificuldade de entendimento sobre o produto, pois conforme constatado pelo relatório Financial Education and Saving for Retirement da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a previdência privada é um dos produtos financeiros mais difíceis de serem compreendidos pelos indivíduos.
O Direito Previdenciário no Brasil é assunto que está sempre sendo pautado e, recentemente, sofreu alterações significativas após a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da previdência de 2019. A reforma da previdência tem como premissa maior diminuir a velocidade do aumento das despesas e igualar contribuintes dos setores público e privado. Em virtude dessa preocupação legítima com a saúde fiscal dos cofres públicos, o assunto nunca está obsoleto, ainda mais em um país com situação de transição demográfica como o Brasil.
O cenário de modificação e suas consequências, incluindo a popularização de um produto facilitado de previdência complementar, podem contribuir positivamente para um estímulo às mudanças de comportamento da população acerca da acumulação de recursos, visando um planejamento previdenciário mais robusto em busca de uma tranquilidade maior em um cenário futuro. Visto que, de acordo com a mesma pesquisa da ANBIMA já citada acima, 67% dos aposentados apontaram o aumento de despesas após a aposentadoria. Para as classes C e D/E, essa percepção foi ainda maior, com índices de 69% e 70%, respectivamente, e para a A/B, 59%.
É natural associar neste contexto de Brasil, que a difusão da previdência complementar, principalmente pós-reforma, gerará um aumento da poupança privada. No entanto, Lusardi e Mitchell (2007) afirmam que a carência de educação financeira apresenta uma grande implicação para o planejamento da aposentadoria e este pode ser mais um dos fatores explicativos dos baixos índices de poupança observados em algumas economias. Por conseguinte, será necessário um esforço para além da criação do produto e sua divulgação.
Ao se falar em poupança privada, automaticamente se tende a relacionar de alguma forma o investimento, dado que no campo das ciências econômicas há um contrassenso bem famoso entre os clássicos e Keynes sobre a ocorrer causalidade da poupança para o investimento ou do investimento para a poupança. Porém, é importante ressaltar que o efeito da poupança privada unicamente gerada através deste instrumento não necessariamente gerará um aumento do investimento. Lavinas e Araújo (2017) destacam, como resultado de sua investigação empírica, que a expansão da previdência complementar privada, se tratando de Brasil, não contribui nem para o aumento do investimento e nem para a ampliação do mercado de capitais. Sendo assim, a poupança privada tende muito mais a estimular concentração de renda mediante – por exemplo, a alocação de recursos em títulos da dívida pública -, do que promover o estímulo à poupança, investimento e ao crescimento econômico.
Portanto, é importante entender não apenas o novo instrumento, mas também todo o contexto para seu funcionamento ideal e também suas potenciais consequências em busca de um resultado exitoso sobre este novo produto. Nessa perspectiva Schumpeter afirmava que: “Inovação é a introdução bem-sucedida no mercado de uma novidade técnica ou organizacional, não apenas sua invenção”.
Marlon Cecilio de Souza
é economista, especialista em política e sociedade e pesquisador do Geep IESP- UERJ. Atualmente trabalha como analista de risco de crédito no Bank of New Yok Mellon.
Referências
GIAMBIAGI, Fabio et al. Tesouro Direto Previdência. 2021.
LAVINAS, Lena; ARAÚJO, ELIANE DE. Reforma da previdência e regime complementar. Brazilian Journal of Political Economy, v. 37, p. 615-635, 2017.
LUSARDI, Annamaria; MITCHELL, Olivia S. Financial literacy and retirement preparedness: evidence and implications for financial education programs. Business Economics, v. 42, n. 1, p. 35-44, 2007b.