Terraço Econômico | Por Alípio Cantisani e Leonardo Palhuca
Durante a década de 70 um movimento em economia começou a tomar forma, a chamada Revolução das Expectativas Racionais, muito em função do economista Robert Lucas que resumiu a ideia naquela que ficou conhecida como a Crítica de Lucas.
Basicamente, Lucas argumenta que a tentativa de interferir na economia com base em evidências econométricas passadas não funcionará, pois os agentes econômicos mudarão seu comportamento observado no passado dadas as novas políticas econômicas que tentam explorar a aparente causalidade entre variáveis econômicas. Ou seja, se inferirmos pelo passado que o crescimento de uma variável leva ao crescimento de outra, essa relação não necessariamente se sustentará quando algum policymaker tentar implementar uma política econômica para o futuro.
A partir dessa observação, muitos estudos começaram a modelar os agentes econômicos como possuidores de expectativas racionais. Para ser mais claro: se o governo resolver que vai mexer no câmbio para aumentar as exportações, isso pode não ocorrer pois as decisões dos exportadores passam por outras variáveis, inclusive a intervenção do governo no câmbio. E a expectativa pode divergir daquilo que o governo tem em mente.
A mudança de política econômica no Brasil com a oficialização da chamada Nova Matriz Econômica pode, então, ter esbarrado nas expectativas racionais dos agentes econômicos. Os nossos policymakers naquele tempo devem ter se esquecido que os agentes reagem não aos gritos dados do Planalto, ou sequer se deram ao trabalho de ler o Lucas (o que tomaria menos de meia hora, já que o artigo tem 20 páginas).
E podemos verificar isso?
Bem, o Banco Central coleta as expectativas de algumas variáveis macroeconômicas semanalmente pelo Boletim Focus e os dados estão disponíveis no site da nossa autoridade monetária. Assim, podemos comparar rapidamente o que o mercado esperava para a Inflação e para o PIB…e comparar com o que os nossos dirigentes da economia gritavam. A partir daí, podemos especular algumas explicações.
1) Inflação – IPCA
A melhor medida para o que o governo espera sobre qual vai ser a taxa de inflação em um ano é a própria meta de inflação. Se o Conselho Monetário Nacional aprova uma meta, o recado está dado: esperamos que o Banco Central trabalhe para que o IPCA feche o ano neste nível.
Porém, os agentes no mercado incorporam outras informações (credibilidade do governo, choques de demanda ou oferta, ações do Banco Central na perseguição da meta etc) para formar suas expectativas e elas podem divergir do que o governo bradou. Vejamos:
Fonte: Banco Central do Brasil
Tomando os dados do período em que a meta para o IPCA foi fixada em 4,5%, podemos ver que muita coisa mudou com relação às expectativas dos agentes econômicos. No início do período, o mercado esperava que a meta seria cumprida. Ou seja, os gritos do Planalto eram ouvidos e interpretados como críveis, dado o período no qual a meta era perseguida com ações da nossa autoridade monetária e não com frases de efeito.
Entretanto, desde meados de 2010 os agentes continuaram a formar suas expectativas com base nas ações dos governantes, e não com base nos gritos! E passaram a prever a inflação mais em linha com o a taxa de inflação registrada. Já no megafone do Planalto a fita quebrou no: QUATRO E MEIO, QUATRO E MEIO! A caravana passou.
Abaixo uma curadoria de tentativas frustradas de fazer os agentes criar suas expectativas na base do grito:
“O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse nesta terça-feira (22), ao deixar o ministério depois de reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), que a meta de inflação, fixada pelo conselho em 4,5%, foi mantida porque ‘está dando certo’.
‘É a meta que tem permitido manter a inflação sob controle e a expansão da economia, sem colocar o Banco Central [BC] numa saia justa ou numa camisa de força’, disse Mantega. Segundo ele, o país deve registrar inflação um pouco acima da meta este ano, em torno de 5%, mas, em 2011, ela deve retornar ao centro da meta.” – Rede Brasil Atual.
“Em um discurso de 15 minutos, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, enfatizou por três vezes que o objetivo da autoridade monetária é fazer com que a inflação convirja à meta, de 4,5%, no ano que vem. ‘Desde o início do ano, o processo de ajuste da política monetária vem assentando as bases para que a inflação convirja à meta em 2012’, comentou, acrescentando que será no quarto trimestre deste ano que as medidas adotadas pela autoridade monetária para desacelerar o nível de atividade e conter a alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingirão o seu ápice.” – G1 Economia.
“A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira 20 que em 2014 o governo irá ‘manter esse esforço’ para que a inflação fique dentro do centro da meta, como aconteceu em 2013. ‘Eu tenho certeza que no ano que vem nós iremos manter esse esforço e nos empenhar cada vez mais para reduzir a inflação como temos feito ao longo dos últimos anos’, declarou, em entrevista a rádios de Minas Gerais.” – Brasil 247
2) Produto Interno Bruto
Para sabermos o que o governo pensa sobre o crescimento do país, as melhores estimativas que podemos coletar vêm da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que indica em seus cálculos qual a projeção de crescimento do PIB para estimar as receitas do governo.
Assim, o governo indica quanto acha que o país vai crescer e podemos comparar esse “chute” com as expectativas de mercado e com o que aconteceu na realidade. Abaixo o que encontramos:
Fonte: Banco Central do Brasil
Bom, novamente vemos que até o período em que não tínhamos a nossa famigerada Nova Matriz Econômica, o mercado formava suas expectativas (ainda que um pouco pessimistas) mais em linha tanto com a realidade quanto com o que o governo indicava na LDO.
Porém, de 2011 em diante os agentes seguiram mais de perto a realidade (principalmente sua tendência), enquanto o governo gritava que o PIB ia crescer os famosos 4% do Guido Mantega. A caravana novamente passou enquanto o governo ladrava. E do Planalto ecoavam os berros a seguir:
“A equipe de economistas do Credit Suisse reduziu de 2% para apenas 1,5% a projeção de crescimento para a economia brasileira em 2012. (…) ‘É uma piada, Vai ser muito mais do que isso’, disse Mantega.” – Estadão.
“O Ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou nesta segunda-feira (28), que o crescimento da economia brasileira em 2014 deve ficar entre 2,3% e 2,5%. ‘A previsão não é precisa. É algo como 2,3% e 2,5%. A gente vai revendo este número à medida que nós tivermos resultados concretos’, afirmou a jornalistas, durante evento em São Paulo.” – G1 Economia.
Assim, a experiência da (órfã) Nova Matriz Econômica em promover políticas que aparentemente geram resultado positivo na economia quando vistas sob uma perspectiva histórica (há quem diga que um pouco mais de inflação aqui, um pouco mais de desvalorização cambial ali, um pouco mais de crédito subsidiado acolá faz o país crescer mais rápido) deve ter esbarrado nas expectativas dos agentes, que incorporam em sua formação os botões que os dirigentes econômicos pressionam na sala de controle em Brasília.
Agentes de mercado não escutam mais o que o governo diz
Alípio Cantisani
Leonardo Palhuca
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