Qual o papel de um conselhão?

Por Bruno Barsanetti*

Há algumas semanas, a presidente Dilma Rousseff reuniu o seu conselhão com o objetivo de anunciar algumas medidas que, na opinião do governo e dos membros desse conselho, servem para enfrentar a crise. O tal do conselhão é na verdade o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado durante o primeiro governo Lula. Segundo a lei de 2003 que o criou, seu papel é o de “assessorar o presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas, apreciar propostas de políticas públicas e de reformas estruturais e de desenvolvimento econômico e social que lhe sejam submetidas pelo presidente, para articulação das relações de Governo com representantes da sociedade”. É, para todos os efeitos, um órgão que busca dar certa legitimidade às decisões do poder executivo, sob o verniz de que foram aprovadas por representantes da sociedade. É formado por 92 integrantes, principalmente empresários e líderes sindicais, mas também escritores e atletas. Ou seja, a nata da nata, the best and the brightest.

Eu poderia continuar discorrendo sobre os ilustres conselheiros da presidente, mas talvez seja melhor contar sobre um outro conselhão, o Maggior Consiglio da República de Veneza. Em um artigo muito interessante publicado em 2014[1], os economistas Diego Puga e Daniel Trefler explicam como o Maggior Consiglio moldou as instituições da cidade-estado italiana durante a Baixa Idade Média. Veneza era uma grande potência comercial e naval nesse período, contando ainda com uma economia dinâmica que permitia um elevado grau de mobilidade social, principalmente em relação às demais nações europeias da época. Um exemplo disso é a trajetória do comerciante Zaccaria Stagnario, que, mesmo neto de um escravocroata, ascendeu socialmente e se tornou um respeitado membro da classe mercantil da cidade no século 13.

O Maggior Consiglio, ao contrário do conselhão da Dilma, era um órgão com poder de decisão, que elegia os magistrados da república, incluindo o doge, principal dirigente da cidade. Puga e Trefler veem esse poder, em um primeiro momento, como uma influência positiva, pois direcionava a ação do poder público em favor de mais comércio, incentivando ainda mais a economia veneziana.

O conselho era também um órgão de elite, sendo dominado pelos interesses da classe mercantil. E esses interesses foram essenciais para uma importante mudança institucional que ocorreu gradativamente por volta do ano 1300: a Serrata. Como o acesso às chaves do poder traz benefícios pessoais que não são compartilhados, o acesso de novas famílias ao Maggior Consiglio passou a ser restrito. A partir de 1319, os assentos no Maggior Consiglio tornaram-se hereditários.

E assim uma oligarquia cada vez mais fechada passou a determinar os rumos da república. Não muito depois da Serrata, impuseram-se barreiras à entrada no lucrativo setor de comércio com galés. Este passa a ser monopólio de algumas poucas famílias muito ricas, que são também agraciadas com recursos estatais. É assim que, de uma sociedade aberta, com mobilidade social e grandes potenciais econômicos, a pequena república italiana passou então a ser hierarquizada e fechada politicamente. Além disso, entrou em um longo processo de declínio.

Voltando ao conselhão tupiniquim, podemos traçar alguns paralelos, apesar de algumas diferenças óbvias entre eles. Primeiro, é um representante de nossa elite econômica. E, embora o conselhão não tenha poder decisório, ele é típico das relações do capitalismo de compadres que vigora no nosso país. Basta ver que, após a reunião, Dilma anunciou um pacotão de mais crédito subsidiado. Um pacote que continha um tanto de crueldade e ironia, pois parte desse dinheiro virá do mal remunerado FGTS, poupança forçada de milhões de trabalhadores que não têm assento no conselhão. Como o conselho de Veneza, o conselhão representa um modelo excludente, que concede vantagens para alguns poucos privilegiados.

Para se ter uma ideia do que essas relações custam, um levantamento publicado pelo Valor Econômico mostrou que os incentivos do BNDES relativos a empréstimos de 2008 a 2014 custarão, no longo prazo, exorbitantes R$ 323 bilhões ao contribuinte. Sem dúvida, foi um excelente negócio para os empresários com assentos no Conselhão, mas ao mesmo tempo um dos motivos para a grave situação das contas públicas. Trata-se, nesse caso, de uma aliança entre empresários e políticos corruptos que se apropriaram do Estado, sob os aplausos de economistas heterodoxos e da militância esquerdista.

Além de assaltar os cofres públicos, essa aliança está por trás de políticas de proteção que distorcem preços e mantêm a nossa economia fechada, afastada da globalização que espalha novas tecnologias e abre mercados no resto do mundo. Assim como o Maggior Consiglio limitou o comércio, o conselhão da Dilma representa essa atitude autárquica que o governo brasileiro adota. Não quero meramente apelar para o papinho manjado de culpar as elites pelos nossos problemas, mas quando esta utiliza do governo para seus próprios fins, não vejo como a crítica possa não ser adequada.

O fato é que precisamos nos livrar de uma classe empresarial como essa e do conselhão que a representa se quisermos uma democracia florescente e uma economia baseada na livre iniciativa. E torcer para não seguirmos o caminho veneziano (ou venezuelano), que termina no dilapidar das instituições.

*Bruno Barsanetti: Mestre em economia pela EESP-FGV-SP e doutorando na Northwestern University.

Notas:

[1]     International Trade and Institutional Change: Medieval Venice’s Response to Globalization, publicado no Quarterly Journal of Economics.

Sair da versão mobile