Ruptura no Terraço #1

Ruptura no Terraço é uma colaboração de conteúdo entre The Shift, a plataforma de jornalismo de dados da ÍON 89 e Terraço Econômico. Neste espaço a disrupção tecnológica, especialidade da primeira, se une aos temas do segundo: economia e política.

A Internet cresce cada vez menos livre

O relatório FREEDOM ON THE NET 2018, publicado pela FreedomHouse.org é bem explícito no seu título: The Rise Of Digital Authoritarianism (O nascimento do autoritarismo digital). Governos ao redor do mundo apertam o cerco aos dados dos cidadãos usando como desculpa o combate às “fake news”, erodindo a confiança na Internet e na mídia. “Democracias estão lutando na era digital enquanto a China exporta seu modelo de censura e vigilância para controlar a informação dentro e fora de suas fronteiras”, diz Michael J. Abramowitz, presidente da Freedom House. O relatório mapeou o status da Internet em 65 países.
No caso da China, a oferta de tecnologia e treinamento a países na África cujos governos têm sinergia com seu modo de pensar e agir está tendo resultados preocupantes. Os editores do Visual Capitalist transformaram o relatório em um gráfico que facilita ver onde a internet é livre (azul), meio livre (amarelo) e nada livre (rosa). Nem precisa desenhar, certo?

ANPD começa a tomar forma no Brasil

O governo trabalha para que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD) tenha seus diretores sabatinados pelo Senado até o final do ano, segundo informou o diretor da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, José Ziebarth, em evento realizado no Congresso. Mas este cronograma poderá ser antecipado, caso os nomes para os cargos de direção da ANPD estejam escolhidos até a primeira semana de setembro.

Entre os que se dedicam à privacidade e à proteção de dados pessoais, a movimentação do governo acendeu o botão de alerta. O quadro da ANPD precisa ser técnico e multidisciplinar.  “A heterogeneidade vai ser necessária para conferir o status de especialidade à ANPD, até mesmo por sua própria credibilidade institucional em face de agências reguladoras e do próprio Ministério Público”, escreveu o advogado Fabrício Mota Alves. Afinal de contas, caberá à ANPD evitar a temida explosão de demandas, criando normas racionais e gerando os incentivos corretos para que inovação tecnológica e privacidade convivam harmoniosamente.

Já começam a surgir listas com sugestões de indicações para integrantes da diretoria da ANPD que fogem a esse entendimento, bem como indicações para o Conselho assessor. O lobby segue a pleno vapor. Vale lembrar que deficiências quantitativas e qualitativas de recursos humanos podem dificultar ou, mesmo, inviabilizar o cumprimento do mandato legal atribuído à ANPD. A ANPD não pode (e não deve) ter apenas um viés sancionador. Antes de tudo, ela precisa regulamentar a lei e educar o mercado.

Outra questão em aberto, como bem lembra Fabrício, que foi assessor parlamentar do senador relator do PL de proteção de dados pessoais que resultou na LGPD, é a definição de a quem competirá sabatinar os indicados pelo governo a dirigentes da ANPD. À CAE cabe sabatinar Conselheiros do CADE. À CCT, os da Anatel. À CCJ, os Ministros de Tribunais Superiores. Quem deterá a expertise sobre proteção de dados pessoais?

A boa notícia é a de que o governo tem pressa. “Demonstrar que o Brasil está preparado para entrar na OCDE é importante. E organizar a ANPD é um dos elementos importantes para isso”, lembrou Ziebarth.  Portanto, as chances de a ANPD estar estruturada e em funcionamento no momento da entrada da LGPD em vigor, em agosto de 2020, são grandes.

Você venderia seus dados pessoais?

Quanto podem valer seus dados pessoais? Segundo o artigo especial Tomorrow’s Data Heroes, produzido pela Strategy&Business, em 2025, o valor total dos dados produzidos globalmente pode chegar a mais de US$ 400 bilhões, e se os usuários de internet resolverem monetizar dados pessoais, podem gerar em média US$ 2,36 por pessoa. O valor nos EUA seria maior, de US$ 9,82 por pessoa.

O governador da Califórnia, Gavin Newson, disse recentemente que os “consumidores californianos deveriam poder compartilhar da riqueza que é gerada a partir de seus dados”,  ao defender a “California Consumer Privacy Act”, lei que entrará em vigor em janeiro de 2020 e que possibilitará que consumidores no estado vendam seus dados pessoais para empresas que queiram ou precisem utilizá-los.

O “caso de amor” de Wall Street com a IA

Primeiro foi só um flerte, mas agora o ecossistema do mercado de capitais está mudando seu status para “relacionamento sério” com Inteligência Artificial, Big Data e Analytics. Um relatório produzido este ano pela empresa londrina TABB Group, chamado Big Data, AI and Machine Learning Adoption: Where Are We Now?mostra que as mais de 160 firmas envolvidas na compra e venda de ações estão acelerando a adoção de IA em suas práticas.

Dois terços (70%) das empresas ouvidas estão em estágio de planejamento ou pesquisa para implementar IA/Machine Learning para uso no processo de decisão de investimentos. Embora os orçamentos da IA ainda sejam considerados modestos (média de US$ 500 mil), a maioria das empresas ouvidas planeja aumentar o investimento nas tecnologias nos próximos 12 meses.

“Nossa pesquisa revelou que o principal obstáculo para a adoção de IA era a qualidade dos dados, com mais da metade dos entrevistados citando isso como seu maior desafio”, diz Tim Cave, analista do TABB Group. Depois da qualidade dos dados, outras preocupações das Bolsas e do ecossistema são o recrutamento de talentos e, claro, a regulamentação e a conformidade, já que o setor é severamente escrutinizado e regulamentado.

Mas a principal conclusão do estudo é que a maioria dos participantes do mercado de capitais está otimista quanto ao uso de IA e Big Data no futuro próximo. “Está no topo da agenda de mudanças na maioria das empresas, com o principal caso de uso no processo de investimento, mas também na execução de operações”, diz Cave.

Um outro estudo, batizado de Enhanced Bankers – The Impact of AIproduzido também pelo TABB Group, mostra que o uso de IA e Machine Learning é bem recebido por 83% dos banqueiros dos EUA ouvidos, encantados com a ideia de usar IA para identificar oportunidades de vender mais para os clientes. Os insights gerados por Machine Learning aumentam o entendimento das oportunidades e a automação desse processo muda tudo.

Os gastos com RegTech estão crescendo 48% ao ano desde 2017, segundo um relatório da Juniper Research, devendo saltar de US$ 10,6 bilhões em 2017 para US$ 76,3 bilhões em 2022. O movimento não surpreende já que, desde a crise financeira de 2008 os bancos já pagaram US$ 340 bilhões em multas (dados atualizados de fevereiro de 2019).

A lista dos multados foi compilada pela Keefe, Bruyette and Woods. Em primeiro lugar vem o Bank of America, com US$ 76 bilhões em multas, seguido pelo JPMorgan Chase (US$ 44 bilhões). Muitos outros foram multados em mais de US$ 10 bilhões e apenas 13 bancos já respondem por 93% de todas as multas. Na média, o gasto com compliance ;e mais de US$ 1 bilhão por ano, o que em média representa 10% dos custos operacionais da maioria dos bancos.

Para fugir dessas multas, particularmente daquelas ligadas à conformidade baseada em riscos, os bancos precisam gastar muito mais tempo e recursos humanos analisando detidamente papéis e informações que, em sua maioria estão armazenadas na forma não estruturada, diz o analista responsável pela pesquisa do TABB Group, Terry Roche, veterano no setor de FinTechs.

“Não é algo que os humanos possam acompanhar, dado o ritmo e a amplitude dos dados… Limpar manualmente e classificar palavras-chave de milhões de mensagens de e-mail, por exemplo, pode ser simplesmente impossível”, diz Roche. Por isso o uso de Machine Learning é um caminho sem volta, porque muda o jogo de decisões sobre hipóteses para decisões sobre dados.

3 armadilhas de Machine Learning

Três armadilhas comuns no Machine Learning devem ser evitadas por todos os que fazem uso das ferramentas de insights e predição de padrões, alerta Patrick Riley, principal engenheiro e pesquisador sênior da equipe do Google Accelerated Science, em artigo recente na Nature.  São elas:

  1. A divisão de dados de forma inadequada para treinamento e teste – É preciso lembrar que “os contextos nos quais os dados foram coletados podem ser diferentes de como o modelo de aprendizado de máquina deve ser usado”, diz ele.
  2. As variáveis ocultas, geralmente não intencionais – “Use vários modelos para detectar variáveis inesperadas”, recomenda.
  3. Objetivos óbvios e/ou confusos – “O objetivo geral deve ser mantido em mente, ou produziremos sistemas precisos que respondam as perguntas erradas”, adverte.

Para manter esses pontos sob controle, o caminho mais adequado é o do estabelecimento de padrões sobre como calibrar as ferramentas; realizar e relatar o processo; aplicar seus algoritmos e questioná-los apropriadamente.

“Estamos em um ponto incrível – poder computacional, dados e algoritmos se unindo para produzir grandes oportunidades para descobertas com o auxílio do aprendizado de máquina. É nossa responsabilidade, como comunidade científica, garantir que aproveitemos bem essa oportunidade”, afirma Riley.

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