A reconstrução do setor elétrico brasileiro

Você no Terraço | por Gustavo Tasso

Passamos o quarto aniversario do então chamado 11 de setembro do setor elétrico (11/09/2012). Foi nesta data em que a ex-presidente Dilma Rousseff optou por desligar e quebrar o setor elétrico em prol de sua reeleição. Na época, Dilma Rousseff conseguiu alterar as regras do setor que ela mesma havia criado em 2004, como Ministra de Minas e Energia. Visando reduzir a conta de luz em 20%, para conter a inflação (que poderia minar sua reeleição), Dilma reduziu encargos setoriais e estabeleceu novas regras para antecipar a renovação das concessões que venceriam no período entre 2015 e 2017. E foi assim, por meio desta Medida Provisória (MP), que Dilma conseguiu apagar o setor elétrico. Agora, quatro anos depois, temos um cenário diferente, temos um setor elétrico em plena recuperação, agitado principalmente pelo momento de fusões e aquisições.

A importância da MP 579 não se restringe somente ao setor elétrico, seus impactos vão muito além disso. A atual crise que nosso país vive, pode ser explicada pelos diversos efeitos decorrentes desta medida.

Para entendermos o que aconteceu em 2012, é necessária a compreensão de alguns conceitos acerca do setor elétrico. O sistema pode ser dividido em três tipos de empresas: as empresas de geração, as de transmissão e as de distribuição de energia. Poderíamos afirmar que temos um ambiente competitivo entre as geradoras de energia (pense o produto como uma commodity), enquanto os setores de transmissão e distribuição funcionam como monopólios naturais, tendo em vista que não é possível haver competição em uma mesma área de concessão. Desta forma o setor de transmissão é regido por leilões, nos quais a empresa que oferecer-se a receber a menor RAP (receita anual permitida) vence o leilão, podendo operar a linha de transmissão durante 30 anos. No que tange ao segmento de geração, as empresas atuam como operadoras das usinas hidrelétricas no período de 30 anos, podendo haver ou não a renovação da concessão.

Em 2012, Dilma aproveitou-se do fato de que havia inúmeras concessões das principais empresas do país próximas de seu vencimento, que ocorreria entre 2015 e 2017. A partir deste contexto, a presidente propôs às empresas a renovação de suas respectivas concessões por mais 30 anos, no entanto, as empresas seriam remuneradas somente pelos seus custos de operação e manutenção, recebendo alguns anos depois uma indenização quanto aos ativos não amortizados. O plano era esse, e o governo contava que haveria adesão das maiores empresas do país (Copel, Cemig, Cesp e Eletrobrás), mas não houve. Cemig, Cesp e Copel recusaram a proposta do governo federal devido às condições extremamente não atrativas, colocando em risco a já anunciada redução do custo de energia. Dilma sabia que para frear a inflação – e para que reduzisse seus riscos políticos em 2014 –, era necessário que ela conseguisse esta redução do custo de energia. Desta forma, a conta acabou ‘’sobrando’’ para a Eletrobrás, estatal federal com elevado grau de influência política.

Com isso, dos 11,8 GW médios de energia firme, cuja renovação era esperada pelo governo, apenas 7,8 GW médios foram efetivamente renovados, e, dessa forma, as distribuidoras de energia ficariam descobertas, tendo em vista que não haveria energia necessária para suprir suas respectivas demandas. A situação torna-se mais dramática, tendo em vista que o governo cancelou naquele ano o leilão de energia, e, ao cancelá-lo, obrigou as distribuidoras a comprar energia no mercado de curto prazo, que possui um preço muito mais elevado. O cenário torna-se ainda pior, a partir de 2014, quando começamos a conviver com a crise hídrica. Com a escassez de chuva, tornou-se necessário acionar as usinas térmicas (que possuem custos mais elevados do que as usinas hidrelétricas) para que evitássemos o eminente racionamento, e isso resultou em preços de energia ainda mais elevados.

Os efeitos para a Eletrobrás foram catastróficos. Para termos ideia do que isso causou à empresa, a Eletrobrás em 2014 se viu obrigada a vender energia por R$28/MWH, enquanto o MWH de energia era negociado a R$822 no mercado livre. A empresa desde então acumula mais de R$ 20 bilhões de reais em prejuízo.

O resultado direto para o setor foi que tanto o valor de mercado quanto a solvência de grande parte das empresas do setor reduziu-se a pó. Mas a situação ficou mais dramática para a população brasileira após as eleições de 2014. Passado o período das eleições e a então reeleição de Dilma Rousseff, era chegada a hora de enviar a conta de suas medidas políticas ao consumidor ela: deste modo então que foi aprovado, em 2015, um reajuste de energia próximo de 50% para os consumidores – impulsionando ainda mais a crise brasileira. Se já não bastasse a elevação da tarifa de 50% ocorrida em 2015, à conta das indenizações dos ativos de transmissão que não foram amortizados deverá ser paga pelo consumidor nos próximos anos. O valor deve aproximar-se de R$ 50 bilhões de reais, resultando em um custo de energia mais caro por um período ainda maior, devendo afetar diretamente a recuperação da indústria nacional.

O aumento da tarifa de energia em 2015 foi um dos fatores que fez com que a inflação superasse a marca de 10% ao ano. Com a inflação bem acima da meta, o Banco Central viu-se obrigado a elevar a taxa de juros da economia brasileira para conter a inflação. Com a taxa de juros estabelecida em 14,25%, o crédito tornou-se escasso, as empresas frearam os investimentos e o consumo retraiu ainda mais.

Pois bem, passados quatro anos do 11 de setembro do setor elétrico, vivemos um momento completamente diferente no setor. Para ter-se ideia de quão eufórico o mercado financeiro encontra-se com o setor, o IEE (Índice de Energia Elétrica) já acumula valorização de mais de 50% no ano.

Vamos aos fatores que tem gerado maior otimismo com o setor:

1 ) Choque de gestão na Eletrobrás

A Eletrobrás, maior empresa do setor, responsável por cerca de um terço de todo nosso sistema nacional parece finalmente trazer governança à sua gestão. A indicação de Wilson Ferreira Junior (ex-presidente da CPFL) pelo presidente Michel Temer foi extremamente bem vista, sob a ótica de que a empresa passará a ter uma gestão mais eficiente e menos política, ao contrário do que ocorreu nos últimos anos. O novo presidente possui diversos desafios para recuperar a maior estatal do setor, mas vai indicando ao mercado que está no caminho certo. Em reunião com acionistas, Ferreira indicou que a empresa deve passar por uma série de cortes de custos, inclusive um PDV, a fim de retomar a capacidade de geração de caixa e lucro.

Além disso, a empresa declarou que não vai renovar as concessões de suas distribuidoras de energia. Ao todo, as sete distribuidoras devem ser privatizadas até o final de 2017, com a Celg –D ainda neste ano. O processo de privatização das distribuidoras da Eletrobrás tem sido visto de maneira positiva, tendo em vista o fraquíssimo desempenho operacional e financeiro destas, além da oportunidade de gerar caixa em um momento delicado.

2 ) Leilões mais atrativos

No próximo dia 28 de outubro acontecerá um leilão de transmissão, envolvendo mais de 11 bilhões de reais em investimento. O leilão, que havia sido adiado, terá uma taxa de retorno maior e a RAP (receita anual permitida) está sendo revista, de acordo com Eduardo Azevedo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia.

A expectativa acerca desse leilão é de que se comece a reverter a elevada taxa de lotes vazios (sem oferta), prática que foi comum nos últimos anos. Para termos ideia da falta de atratividade dos últimos leilões de transmissão organizados pelo governo, nos últimos dois leilões, a taxa de lotes vazios (sem oferta) foi de 66%(2015) e 42% (2016).

3 ) Invasão do capital chinês no setor

Estamos vivendo uma verdadeira invasão de capital chinês no setor elétrico brasileiro. Desde 2011, os chineses já investiram mais de R$ 40 bilhões de reais, liderados pela CTG e a State Grid.

Por meio de um forte crescimento via aquisições, hoje estas duas empresas são detentoras de boa parte dos ativos do setor elétrico brasileiro. A CTG já é a segunda maior geradora do país fora do sistema estatal. A State Grid não fica atrás, e possui mais de 7000 km em linhas de transmissão, e acabou de comprar o maior grupo privado de energia do país, a CPFL Energia.

4 ) Consolidação do setor de distribuição

O setor de distribuição tem passado por um forte momento de consolidação nos últimos anos. Tivemos nos últimos anos, diversas transações no setor de distribuição, envolvendo a compra da Celpa pela Equatorial, a compra do Grupo Rede pela Energisa, a compra da AES SUL pela CPFL, e mais recentemente a compra da CPFL pelos chineses State Grid. O plano de venda das distribuidoras da Eletrobrás deve agitar ainda mais o setor nos próximos dois anos.

Quatro anos depois da desconfiguração de nosso sistema elétrico em prol de objetivos políticos, possuímos a oportunidade de vivenciar um momento completamente diferente daquele criado pela ex-presidente Dilma Rousseff. Espero que tenhamos aprendido a lição quanto a intervenções desastrosas em prol de motivações políticas.

Gustavo Tasso – Graduando em administração pela FEA USP e diretor da Liga de Mercado Financeiro FEA USP.

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