Soja: um olhar para o próximo ciclo

Em tempos de eleição e de repetidos choques de oferta ao redor do mundo, o agronegócio é pauta central. Nesse contexto, abordarei a revolução silenciosa nas últimas 4 décadas no plantio da soja e, a partir disso, alguns desafios que, espero, serão transpostos nos próximos ciclos.

Ao analisarmos os dados históricos de produção versus a área utilizada para o plantio de soja nos últimos 40 anos, percebemos o aparecimento da chamada “boca de jacaré” a partir do evidente melhor aproveitamento da área explorada, que entregou seguidos recordes de produção.

Gráfico 1 – Acompanhamento da safra de soja Fonte: Conab Elaboração: Daniel Bozz

Para além do gráfico, o Brasil tem sido peça chave no agronegócio e, embora alguns veículos de imprensa insistam em dizer o contrário, continuaremos sendo essenciais na preservação do meio ambiente e no mercado de carbono, pelas boas práticas em relação ao clima, solo, etc.  Até 2030, poderemos ser recompensados com receitas de crédito de carbono que tendem a superar os US$ 100 bilhões, de acordo com o recente estudo da WayCarbon, encomendado pela Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil). Esse montante, virá, sobretudo, de culturas que são o cerne para a alimentação global (soja, milho, proteínas animais).

Na contramão de tudo o que foi dito até o momento, uma ação movida recentemente pelo PT, que pedia a restrição ao período de plantio da soja em Mato Grosso, foi acatada em decisão liminar. Com isso, o intervalo de semeadura irá de 16 de setembro a 31 de dezembro 2022, ou seja, a medida contraria a portaria do Ministério da Agricultura que estabeleceu o prazo até 3 fevereiro de 2023 para os produtores do grãos no Estado. Vale notar que o Mato Grosso contribui com cerca de ¼ da produção brasileira de soja. Logo, essa liminar, caso mantida, terá o condão de enfraquecer a sólida base do cultivo da oleaginosa para a próxima safra.

O que isso significa? Podemos estar testemunhando o surgimento de um choque na oferta desse alimento.

Por que? Explico. Há poucas semanas, os EUA divulgaram informações sobre as estimativas para a próxima safra de soja na terra do Tio Sam e o quadro, mesmo não sendo desesperador, mostrou uma sensível redução no nível dos estoques, por conta da seca que castiga parte do território, e tem obrigado agricultores e pecuaristas a realizarem revisões baixistas em suas perspectivas para 2023. Com todos os demais fatores constantes, a projeção americana versa sobre redução marginal no preço da commodity em relação ao preço praticado atualmente, o que, na minha opinião, não encontra amparo na conjuntura macroeconômica mundial. Permanecemos fragilizados pela guerra no leste europeu, com adversidades climáticas em quase todos os continentes. O quadro de redução nos preços, por ora, parece de um otimismo demasiado elevado.

De volta ao Brasil, a venda ao exterior dos produtos do complexo soja alcançaram US$ 6,03 bilhões (+21%) em julho. A elevação de preços dos produtos do setor (+33,5% em média) foi responsável pela alta das exportações, já que o volume exportado caiu 9,4%. Mesmo assim, os embarques de soja em grãos alcançaram valor recorde para meses de julho, US$ 4,71 bilhões (+18,2%), reflexo também da menor disponibilidade para a oferta internacional. Nosso maior comprador, a China, aumentou a participação nas aquisições, passando de 66,5% do volume exportado pelo Brasil em julho/2021 para 68,8% do volume em julho/2022 (5,2 milhões de toneladas; -10,3%), segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Além disso, os outros dois produtos do setor apresentaram aumento de quantidade exportada, que foi estimulada pelos altos preços praticados no mercado internacional, dado as condições de demanda e oferta atual, afetadas principalmente pelo conflito na Ucrânia (óleo e farelo de girassol).

Agora, imaginem um cenário em que os EUA confirmem essa redução em sua produção doméstica, somado ao fato de que seus estoques já são menores e, não menos importante, o Brasil – por fatores alheios as imposições climáticas – produzirá menos do que sua capacidade sugere. O que poderemos ter? INFLAÇÃO.

Inflação na soja? Mas eu não como soja!

O problema central da inflação é a rápida disseminação e a dificuldade em cortar a cadeia de transmissão – tão silenciosa e traiçoeira como alguns vírus em circulação. Em resumo, mostrarei abaixo os 3 estágios da materialização dessa suposição:

  1. pressão no nível de preços da soja e de seus derivados;
  2. aumento no nível de preços dos alimentos substitutos;
  3. dispersão dos efeitos ao longo das cadeias – vide o sufoco causado pela guerra na Ucrânia em outras commodities nos últimos meses.

Por fim, fica o alerta para os possíveis danos causados ao realizarmos “aventuras” nas bases da economia, com o discurso “paz e amor” de redução de danos ambientais e preservação da natureza. A causa é nobre? Sem dúvida. A natureza deve ser preservada? Fato. Porém, a dose do remédio precisa ser controlada, para não incorrermos nos erros de alguns grandes países europeus, que ao levantarem bandeiras populares não mensuraram o risco e o efeito de seus movimentos.

Daniel Bozz
Mestrando em Economia do Desenvolvimento pela PUC-RS, MBA em Finanças, Investimento e Banking pela PUC-RS e graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de Caxias do Sul.


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