Provavelmente, por estarmos entre as 10 maiores economias mundiais temos, muitas vezes, a sensação de sermos mais ricos do que somos. O problema da tese segundo a qual o desenvolvimento por via exclusiva de políticas de redistribuição de renda nos é suficiente para que vivamos o sonho social-democrata de um estado de bem-estar social é: esbarramos em nossa própria pobreza.
Segundo dados da PNAD Contínua, o Brasil tem, hoje, em torno de 170 milhões de pessoas em idade ativa. Destas, mais de 100 milhões estão economicamente ativas. Se muitas pessoas produzem, estranho seria se o nosso PIB fosse pequeno [1]. Em que pese as suas deficiências — tais como a desconsideração de desigualdades — o índice que com mais precisão aponta o nível de riqueza das nações é o PIB per capita. Em 2015, de um total de 185 países, ocupamos, de acordo com a Global Finance Magazine, a 79.ª colocação. Ficamos atrás de países como Costa Rica, Azerbaijão e Gabão. Não à toa, de acordo com dados apresentados pelo IBGE, em 2017, o rendimento mensal médio dos brasileiros mais ricos é de R$ 6.629. Longe, portanto, do rendimento mensal de um magnata. Segundo o IPEA, para que se ingressasse no grupo dos 10% mais ricos, o brasileiro precisaria, em 2017, de um rendimento mensal de R$ 5.214. É, em minha avaliação, uma elite muito pouco endinheirada. No Brasil, em 2016, havia, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2017, 52,168 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza fixada pelo Banco Mundial — isto é, vivendo com menos de R$ 387,07 por mês. Hoje, mais de 50% dos brasileiros estão se virando com menos de um salário mínimo por mês. Paralelamente, a União, hoje, por determinação constitucional, é obrigada a destinar 18% dos recursos tributários ao setor educacional. De acordo com um relatório publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional, são 6% do PIB destinados ao ensino. É um percentual superior à média da OCDE. Gastamos mais do que Reino Unido e Estados Unidos [2]. Ressalte-se, ainda, que embora o Tesouro seja fiador dos beneficiários do FIES — e que 3 em cada 5 estudantes estejam inadimplentes com o programa [3] — o custo representado pela amortização dessa dívida não entra na conta. Se entrasse, a despesa educacional/ PIB seria ainda mais elevada. Com exceção da Costa Rica, somos o país de renda média que mais gasta com educação no mundo. O nosso gasto educacional, mesmo sendo inferior ao que estabelecemos como meta em 2014 [4], é, proporcionalmente ao PIB, superior ao de cerca de 80% dos países. O problema, conclui-se, não é falta de dinheiro. Ainda porque as despesas destinadas ao setor educacional, mesmo antes da aprovação do Plano Nacional de Educação, em 2014, já vinham seguindo trajetória ascendente. De 2008 a 2017, como aponta o já mencionado relatório da STN, ao passo que a Receita Corrente da União avançou, em média, 6,7% ao ano, os dispêndios educacionais cresceram anualmente a uma média de 7,4%. O investimento público direto em educação por estudante em relação à porcentagem do PIB per capita no ensino fundamental, como mostram dados do INEP, subiu, entre 2000 e 2015, cerca de 10 p.p. Para o espanto de alguns, a melhora do ensino quase inexistiu [5]. O Brasil, apesar de todo o seu investimento, ocupou, em 2015, de 70 colocações no Pisa, a 66.ª em matemática. Ocupou o 63.º lugar em ciência e 59.º em literatura. Embora tenhamos sido, de acordo com o Banco Mundial, o país onde os gastos por aluno, como proporção do PIB per capita, foram mais elevados no continente, tivemos, segundo o PISA, rendimento inferior ao de países como Uruguai, Peru, México, Colômbia e Chile. Hoje, a cada 100 alunos que concluem o ensino médio, somente 1,64 possui, segundo o INEP/ MEC, proficiência adequada em português [6]. Os que, até pouco tempo, governavam o país, toda vez que perguntados sobre a péssima qualidade da educação no Brasil, defendiam-se com dados referentes à ampliação de despesas educacionais — como se o crescimento dos gastos, no lugar de reforçar incompetência dos que, com mais recursos, fizeram tão pouco, demonstrasse que caminhávamos bem. A qualidade de um projeto educacional não deveria ser observada a partir de uma relação diretamente proporcional entre dispêndios e resultados. O bom administrador deveria sempre, em obediência ao que assegura a Constituição [7], preocupar-se em obter bons resultados a baixo custo. Eficiência é, a meu crivo, a palavra-chave. Se verificada viabilidade fiscal para ampliação de investimentos e, claro, a possibilidade de ganhos marginais que superem o custo de oportunidade de uma elevação do nível de despesas educacionais, o avanço dos gastos terá, em quase todas as vezes, o meu suporte. Ocorre que, infelizmente, a nossa realidade de país pobre, endividado e que, há 5 anos, fecha no vermelho [8] não nos permite, de forma alguma, ampliar dispêndios. É preciso, em síntese, fazer mais com menos. Para fins de comparação, a Argentina, com muito menos dinheiro, foi capaz de matricular 90% dos seus rapazes e moças em idade universitária em alguma faculdade. Nós matriculamos 30%. O nosso número de matrículas, é bem verdade, aumentou. Em 1970, o percentual de jovens matriculados era de 4% — para não falar, é claro, na censura presente no cotidiano universitário. Embora não tenhamos mais censores dentro das salas de aula e o número de matriculados, depois de uma leve recaída nos anos 1980, venha, desde a década de 1990, subindo, estamos ainda muito aquém da média mundial. Se considerarmos apenas os países de renda média, só ficamos à frente de Botswana, África do Sul e Azerbaijão. É muito pouco. O Vietnã, só para pegar mais um exemplo estrangeiro, no ano de 2015, quando abrigava uma população que recebia, em média, menos da metade do que recebem os brasileiros, aplicando um percentual do PIB inferior ao brasileiro no setor educacional, tem melhores resultados escolares [9]. Hoje, felizmente, temos exemplos domésticos que mostram que é, sim, possível gerir recursos para educação, eficientemente no Brasil. O melhor deles, sem dúvida, é o Ceará. Os cearenses, mesmo com um investimento por aluno muito inferior ao de outros estados [10], conquistaram, segundo o IDEB, a quinta melhor colocação referente ao aprendizado dos alunos que cursam o 5.º ano. Em relação aos recursos recentemente contingenciados, o debate é, como pode-se imaginar, muito mais profundo do que esse que acontece nas redes sociais. Os motivos pelos quais o governo segurou 30% das verbas discricionárias [11] nada têm a ver com “balbúrdia” dos estudantes. As razões que explicam o contingenciamento relacionam-se ao cumprimento de uma coisa chamada “meta fiscal”. O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), muita gente não sabe, precisa, desde 2001, ter a ele anexadas metas fiscais [12]. Como o resultado fiscal é diretamente afetado pelo crescimento econômico, as metas anuais, quando estipuladas, tomam por base a previsão do quanto iremos, ou não, crescer. Se a previsão é de crescimento elevado, pressupõe-se uma arrecadação que permite ao governo fixar metas mais ambiciosas. Caso o crescimento previsto seja baixo, o governo, antevendo baixa disponibilidade de receita, fixa metas menos otimistas. No ano passado, muitos se recordam, a previsão de crescimento para 2019 era, de acordo com a OCDE, de 2,1%. Em março, a projeção foi revisada para 1,9% e, mais recentemente, para 1,4%. Quando fixamos as metas fiscais para o ano, as fixamos com base em um crescimento próximo dos 2%. Como não interessa à presente administração votar uma nova meta, estão sendo feitos contingenciamentos que atingem a todas as áreas. Mesmo as Forças Armadas, que são a corporação a que pertence o presidente, estão sendo afetadas. A insatisfação dos corpos docente e discente universitários preserva algum sentido na medida em que o senso comum aponta para a escassez de recursos destinados à educação. O problema é que, como vimos, já gastamos muito dinheiro com educação — sobretudo, com o nível superior [13]. De acordo com a OCDE, a cada dólar aplicado no ensino básico sul-coreano, US$ 1,50 é investido no nível superior. No Brasil, a cada dólar investido no ensino básico, US$ 4,00 são gastos com universitários. Os estudantes, assim como os professores, no lugar de reivindicar mais dinheiro público, deveriam lutar para que o governo desburocratizasse a capitalização de recursos privados para as faculdades. Seria, ao meu juízo, muito mais racional defender maior autonomia universitária, inclusão dos salários dos professores nos orçamentos das IFES e, para que possam planejar-se a longo prazo, regras claras de vinculação de orçamento como receita das universidades que pedir a um governo sabidamente quebrado, verbas das quais ele não dispõe. Pode-se, em vez de onerar ainda mais o orçamento público, de modo a minimizar custos e ganhar escala, integrar as IFES e, para reduzir gastos e desigualdades, cobrar mensalidade dos estudantes que podem pagar [14]. Os atrasos e distorções existentes no setor educacional brasileiro podem ser resolvidos sem ampliação de recursos públicos. O contingenciamento, como explicado, não implica em um silogismo infantil segundo o qual o governo está contra os estudantes. Se está, com toda certeza não é por fazer uso de uma ferramenta por meio da qual se prioriza o cumprimento de promessas fiscais que precisam aos investidores as condições das contas públicas.A previsibilidade de como andam os cofres públicos beneficia a população mais jovem. Se ao investidor não é dado nenhum instrumento através do qual ele possa acessar a situação fiscal do país, por prudência, opta-se, quando não pela poupança, pelo investimento em outro lugar. Rafael Rosa É carioca, 20 anos e graduando em Direito no IBMEC-RJ. Notas [1] Ver “Ministério do Trabalho, PNAD Contínua e CAGED, Referência: trimestre findo em junho de 2018” [2] [10] [13] Aspectos Fiscais da Educação no Brasil e Um Ajuste Justo. [3] Como melhorar FIES, Prouni e acesso dos mais pobres à universidade de Manoela Vilela. [4] Lei 13.005/ 2014 e PNE em Movimento. [5] Os investimentos na Educação: o futuro do futuro do Brasil de Daniel Duque. [6] 7 de cada 10 alunos do ensino médio têm nível insuficiente em português e matemática, diz MEC. [7] CF/1988. [8] Apresentação de Dilemas Macro — Temas estruturais para 2015 e adiante — Gustavo Franco (2015). [9] Apelo à Razão, de Fábio Giambiagi e Rodrigo Zeidan. [11] Entenda o corte de verba das universidades federais e saiba como são os orçamentos das 10 maiores, O orçamento das universidades e institutos federais desde 2000, de Caroline Souza, Gabriel Zanlorenssi e Rodolfo Almeida, Decreto 9741/ 2019, Balanço Geral da União 2017 e LOA 2019. [12] Lei Complementar Nº 101, de 4 de maio de 2000 [13] [14] Como as universidades públicas no Brasil perpetuam a desigualdade de renda: fatos, dados e soluções, por Carlos Góes e Daniel Duque.