Uma síntese da XI cúpula do BRICS

Anualmente os líderes dos países-membro do BRICS se reunem na chamada Cúpula do BRICS. Em 2019 a reunião foi realizada em Brasília e sendo nós país anfitrião, o Terraço Econômico apresenta uma síntese do evento.

A agenda dos BRICS

No encerramento da XI Cúpula do BRICS, seus cinco países membros – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – assinaram a Declaração de Brasília com 73 tópicos que abordam as pretensões do grupo para política econômica e relações internacionais. Dentre os pontos discutidos no encontro e enfatizados pela Declaração, podemos destacar os principais:

  • Necessidade de uma reforma política na ONU, com destaque para o Conselho de Segurança das Nações Unidas. China e Rússia fazem parte, mas Brasil e Índia compõem o G4 com Alemanha e Japão e que também tentam fazer parte, em caráter permanente, do Conselho;
  • Preocupação com a possibilidade de uma corrida armamentista espacial e suas consequências para o mundo;
  • Empenho para a adoção de medidas de combate à corrupção;
  • Defesa de mercados mais abertos, empenho dos governos em desenvolver um ambiente de negócios e comércio viável, com imparcialidade, independente da nação ou o mercado, focando também em reformas estruturais, através de uma concorrência justa;
  • Compromisso com as metas de redução das emissões de carbono definidas no Acordo de Paris;

Em defesa do multilateralismo

Como é afirmado na Declaração, as nações focam numa “necessidade urgente de fortalecer e reformar o sistema multilateral, incluindo a ONU, a OMC o FMI e outras organizações internacionais”. Assim, destacam a necessidade de continuar com o trabalho para tornar essas entidades mais democráticas e representativas.

As possibilidades de conflitos internacionais é tema constante na Declaração, com destaques para a preocupação com uma “corrida armamentista no espaço exterior”, e, como está descrito, afirma a “necessidade de realizar atividades de exploração e usos pacíficos do espaço exterior de acordo com o direito internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas”.

Há pontos de destaque em que condenam o terrorismo e todas as suas manifestações e pedem para a comunidade internacional “forte compromisso” com a soberania e integridade territorial da Síria, e preocupação com a crise humanitária tanto na Síria quanto no Iêmen.

Além de citações à conflitos na região do Golfo e Afeganistão, as nações mencionam o conflito israelo-palestino e solicitam que outros conflitos na região não sejam usados como pretexto para prolongar a sua resolução.

No entanto não há menções às instabilidades regionais próximas aos BRICS, como a crise política na Venezuela e na Bolívia, os protestos no Chile e em Hong Kong, em que solicitam maior autonomia em relação à China, ou o conflito entre Índia e Paquistão na disputa pela Caxemira.

Dando destaque à OMC, a Declaração afirma buscar o fortalecimento do comércio multilateral, e enfatizam que defendem “o uso contínuo de políticas fiscais, monetárias e estruturais para alcançar um crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo”, com o objetivo de ampliar o potencial de crescimento das nações, criticando o protecionismo e ressaltando também a diminuição do crescimento global nos últimos anos:

“É essencial que todos os membros da OMC evitem medidas unilaterais e protecionistas, que são contrárias ao espírito e às regras da OMC”

Demonstrando a necessidade de uma reformulação nas políticas do órgão, o documento afirma que “nossos países trabalharão com todos os membros da OMC para levar adiante um processo de reforma necessária que seja equilibrada, aberta, transparente e que promova a inclusão e o desenvolvimento”.

Em seus discursos, os líderes do BRICS criticaram o aumento das políticas protecionistas das nações e enfatizaram as suas consequências para o desenvolvimento econômico. Xi Jinping ressaltou que o momento atual é de grandes transformações para o cenário global, e que há muitas oportunidades e desafios que virão. Afirma que o “crescente protecionismo” e ameaças sociais e econômicas podem comprometer o comércio internacional e levar à uma desaceleração na economia mundial:

“A decisão da China de abrir ainda mais o seu mercado continua, portanto, temos a mesma perspectiva de aumentar o nosso crescimento no futuro. Queremos abrir nossa economia, aumentar nossas importações e exportações e criar ambiente favorável no nosso país”.

Vladimir Putin, além de evidenciar que a economia global deve cair em 2019-2020, destaca o “crescimento de atitudes protecionistas, de problemas alfandegários” e ressalta que “os países do BRICS têm que se esforçar para não se deixar abater por essas coisas. Temos que manter o nível de vida de nossa populações e até aumentá-las”.

Pretensões brasileiras

Pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que quer ampliar os negócios com os países do grupo, dando destaque que há uma nova política no Brasil, longe de medidas protecionistas e muito mais pró-mercado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a economia brasileira ficou isolada do comércio mundial por muito tempo e que o objetivo nos próximos anos é prosseguir cada vez mais em direção à abertura econômica e melhorar as relações de mercado com outros países:

“Estamos conversando com a China sobre a possibilidade de considerarmos uma ‘free trade area’. Estamos buscando um alto nível de integração. É uma decisão. Queremos nos integrar às cadeias globais. Perdemos tempo demais, temos pressa”

Guedes destaca que o país não tem interesse em guerras comerciais, que “queremos ser amigos de todos” e “estamos abertos aos negócios”.

A Cúpula demonstrou-se uma excelente possibilidade de aprofundar a relação com a China, preocupação que já havia sido demonstrada com a visita de Bolsonaro à Pequim, em outubro, e a visita vice-presidente Hamilton Mourão, em maio. Destaque também para a aproximação Brasil-Índia e as possibilidades de negociações e potencial de crescimento e desenvolvimento de ambas as nações, ressaltados por Paulo Guedes.

Referente à China, prevaleceu não só o fato de o país ser o nosso maior parceiro comercial, mas também o seu imenso potencial de investimentos no Brasil, principalmente em infraestrutura, área de destaque e prioridade no governo e até então sendo muito bem administrada pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas.

Durante a campanha e antes de tomar posse, Bolsonaro fez ataques à China e até afirmou que “a China queria comprar o Brasil”, por diversas vezes dando a entender que o governo poderia vir a tomar uma posição na guerra comercial EUA-China. Houve também a mudança do governo em relação à sua postura inicial à política ambiental, que por algum tempo ameaçou o acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Dessa forma, vemos se confirmar na postura atual do governo na Cúpula do BRICS a predominância do pragmatismo político em prol do desenvolvimento econômico e das oportunidades de mercado, evidente principalmente em relação à China, às políticas ambientais e o Acordo de Paris.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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