Joe Biden: o Chamberlain americano?

Logo após ter anexado a Áustria, Adolf Hitler voltou suas ameaças de invasão e anexação para as regiões norte e oeste da Checoslováquia, afirmando que pretendia proteger as populações de etnia alemã de privações sofridas pelo governo checoslovaco (curiosamente um dos argumentos usados por Putin para invadir Donetsk e Luhansk na Ucrânia: proteger os descentes e falantes de russo da região).

Os principais líderes da época, Neville Chamberlain (Primeiro-Ministro britânico), Édouard Daladier (Presidente do Conselho francês) e Benito Mussolini (Chefe de Governo italiano) se reuniram com Adolf Hitler em 29 de setembro de 1938 (sem a Checoslováquia) para decidirem ceder as regiões ao governo alemão se Hitler prometesse que essa seria a última invasão ou reivindicação territorial a partir de então.

Tal fatídico acordo ficou conhecido como Acordo de Munique, um dos piores exemplos da chamada Política de Apaziguamento, quando as nações soberanas se submetem em detrimento de outras nações, aceitando condições absurdas e abusivas, invés de resistir, seja diplomática ou militarmente.

Chamberlain, ao voltar dessa reunião para o Reino Unido, é recebido como herói, e em seu discurso ao chegar afirma que Hitler seria a “Paz para nosso tempo”, demonstrando que submissão fora a solução para evitar a guerra.

Alguns meses depois, em março de 1939, Hitler, desrespeitando o tratado, ordena a invasão do resto da Checoslováquia e as tropas nazistas ocupam Praga. E em seguida, em 1 de setembro de 1939, uma semana após a assinatura do Pacto de não-agressão Molotov-Ribbentrop entre a Alemanha Nazista e a União Soviética que, juntos, invadem a Polônia, causando oficialmente o início da Segunda Guerra Mundial.

Winston Churchill (que só assumiria o cargo de Primeiro-Ministro em maio de 1940), sobre os movimentos de Chamberlain e sua submissão à Hitler, afirma a célebre fase:

“Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra, e terás a guerra.”

Em pleno século XXI vemos movimentos muito parecidos se repetirem na Europa. Líderes visivelmente receosos e fracos, levando mais do que a sério uma Política de Apaziguamento vergonhosa, frente a um ditador estratégico e expansionista, tão imprevisível e ameaçador quanto o anterior.

Em seu discurso pré-guerra, onde insinua que a Ucrânia não é “uma nação de verdade”, Putin evoca discursos imperialistas soviéticos e ameaça direta e enfaticamente todas as outras nações da antiga União Soviética. E indiretamente toda a União Europeia e o Ocidente.

Ocidente este que se comporta como Chamberlain, submisso aos movimentos belicosos e truculentos de Putin, alheios às dores daqueles que sofrem, e reduzidos por questões econômicas e pelo medo do conflito.

“A maior sanção econômica da história” de Biden contra a Rússia está se limitando a impor limites de negociações em Dólares e Euros a bancos russos, não afetando diretamente a economia do Governo Russo, não falando diretamente sobre petróleo, gás ou minério russos, muito menos citando a possibilidade de anulação da Federação Russa do sistema SWIFT, que evitaria que o país faça qualquer negociação internacional.

O medo das consequências econômicas dessas ações para o mundo, que não seriam poucas, principalmente para uma economia americana que volta a lidar com inflação alta pela primeira vez em 40 anos, é maior do que a de se ter, novamente, um ditador passeando pela Europa e desestabilizando a segurança e certeza global pelos seus princípios e ideais ultrapassados e megalomaníacos. Os Estados Unidos falham em lidar com a Rússia desde pelo menos 2014, quando Putin inicia formalmente seu expansionismo militarista pela Europa, anexa a Crimeia, e o Governo Obama faz sanções mais leves que as recentes anunciadas por Biden.

O atual, e relutante, líder alemão Olaf Scholz, além de afirmar que a Rússia não deve ser suspensa do sistema SWIFT, demorou dias após a certeza do ataque russo para falar sobre o gasoduto Nord Stream 2, que levará o dobro de gás russo para a Alemanha. Quando se manifesta sobre o tema afirma que o gasoduto está “suspenso”, não cancelado, e que “ninguém pode prever o futuro” sobre o Nord Stream 2, dando a entender que logo ele deixará de ser “suspenso” para entrar em funcionamento. Mais dependência da União Europeia do gás russo, mais submissão da economia europeia à uma única nação. A um único ditador.

Infelizmente, parece que estamos repetindo a história da última grande guerra, nos encontrando em um ambiente vacilante e de grande temeridade. Agora nos falta esperar por uma espécie de pacto Molotov-Ribbentrop, realizado por potências que ameaçam os modelos de democracia liberal e, como consequência disso, esperando por outras invasões e incursões militares expansionistas. No final, temos o pior de tudo, um mundo em ruínas, com milhares de mortos, atrocidades horrendas e todos os males que uma guerra pode conter, ocasionada pela incapacidade dos líderes de lidarem com a crise e os conflitos de maneira eficiente em seu início, evitando o que era plenamente evitável.

Ao Putin, a história não costuma ser gentil com homens que tentam brincar de Deus. Os ditadores que tentaram subjugar outras nações e utilizaram de violência para isso até usufruíram de sucesso e levaram caos ao mundo por algum tempo, mas eles, e suas nações, costumam ter fins violentos e lamentáveis, que ecoam pela eternidade.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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