Nobel 2014: Jean Tirole | por Caio Augusto

Coincidências do destino e como cheguei a conhecer a produção do autor

O ano era 2013, finalizava a participação como estagiário de um projeto de pesquisa entre a faculdade em que fazia graduação (a FEA-RP/USP) e o BNDES, em um projeto que buscava levantar a historiografia econômica e setorial do Banco, que havia completado 60 anos de existência no ano anterior. Nesta mesma época, estava em vigor a famigerada política da Campeãs Nacionais – que, sabemos hoje, não teve efeitos consideráveis de adição sobre a taxa de investimento do país.

Naquela época a política recebia elogios de pelo menos parte dos economistas do país. Com a famosa capa da Economist já ficando distante no horizonte, aparentemente havíamos descoberto um meio de crescer indefinidamente. Era só adicionar ano a ano mais recursos, de preferência naquelas empresas selecionadas que iriam se tornar grandes vitoriosas mundo a fora.

Diante desse cenário de dinheiro em alto montante gerando concentração de mercado, surgiu o interesse em estudar mais sobre um setor em específico, o de telecomunicações. Deste, nasceu uma Iniciação Científica que, mais adiante, virou um TCC – trabalhos esses realizados sobre a orientação do notável Julio Manuel Pires. E foi justamente na virada entre um trabalho para o outro (pouco após o meio do ano de 2014) que uma feliz coincidência ocorreu: o francês Jean Tirole, com trabalhos relevantes justamente no campo da regulação em setores com poucas empresas, acaba sendo laureado com o Nobel de Economia naquele ano.

Este que vos escreve agora não é o assunto principal deste artigo, mas fica aqui o breve histórico do porquê, como um dos coordenadores da Coleção Economistas: Nobel, fiz sem pensar nem dois minutos a escolha por este autor para escrever sobre. Cabe também dizer que foi nessa mesma época relatada acima que fiquei mais próximo de outro organizador deste projeto, o grande Claudio Ribeiro de Lucinda.

Dada a introdução, vamos ao que você realmente veio ler neste artigo.

A vida de Tirole

Filho de um médico e de uma professora de letras, o francês Jean Tirole cursou a École Polytechnique – destacável escola de engenharia na Europa – por uma inclinação desde muito jovem ao campo da abstração matemática. Aos 21 descobre a economia e se fascina pela intersecção presente entre as ciências humanas e sociais e a matemática. O poder de compreensão do mundo com esse par de óculos acabou fisgando-o.

Em 1978 cursou doutorado no celebrado Massachusetts Institute of Technology. O time que lecionava lá contava com estrelas laureadas com o Nobel já naquele momento, como Paul Samuelson (vencedor em 1970) e também com outros nomes que seriam premiados mais adiante, como Franco Modigliani (em 1985) e Robert Solow (em 1987).

Atualmente Tirole segue lecionando na Escola de Economia de Toulouse e é Professor Permanente do MIT.

Em uma extensa entrevista disponível no site dos laureados pelo Nobel Tirole conta mais detalhes de sua trajetória. É notável elencar que ele direciona ser a pesquisa sua grande paixão e motivação, que acha o ambiente acadêmico revigorante e, além disso, que um de seus mais notáveis trabalhos, em parceria com Jean-Jacques Laffont (que será apresentado mais adiante), nasceu justamente durante um ano sabático, 1991 (sendo publicado dois anos depois).

O campo de contribuição do autor e os livros de destaque

Em âmbito geral, a contribuição do autor concentra-se sobre a regulação de mercados em que, por condições específicas, verifica-se a presença de poucos agentes econômicos. Levando em conta que uma ausência total de regulação desencadearia em um um apropriar do excedente dos consumidores, seria preciso colocar em teste meios de evitar que a presença de poucos agentes fosse motivo para que isso viesse a ocorrer. Ou, de maneira mais direta: a contribuição de Tirole que o trouxe até essa lista foi a de tratar da regulação de setores com poucas e poderosas empresas.

Dentre suas obras de destaque, está o livro Dynamic Models of Oligopoly, de 1986, escrito com Drew Fudenberg, tratando justamente de como seria possível definir alguns dos modelos de oligopólio, como identificar adequadamente os monopólios naturais – que são as situações em que não é possível simplesmente “multiplicar” as redes disponíveis (porque os custos fixos para os novos entrantes são imensos, ainda que os custos variáveis sejam baixos, como na instalação de redes de telecomunicações) – e como verificar a existência de colusão tácita entre os agentes do mercado.

Em 1988 temos outra contribuição notável: Tirole escreveu The Theory of Industrial Organization, trabalho que praticamente colocou de pé essa área dentro da economia. Nesta obra, dividida em duas partes, ele inicia apresentando uma moderna teoria dos monopólios, com detalhes inclusive sobre firmas mono e multiprodutos e estratégias de precificação utilizadas em termos de discriminação. Já na segunda parte ele discorre sobre a interação estratégica entre empresas de um mesmo setor e como isso pode levar a um oligopólio tácito (tal qual apresentou na obra do parágrafo anterior, mas com um aprofundamento maior). Interessante apontar que a obra, mesmo sendo de 1988, segue sendo o livro texto de referência em Organização Industrial em nível de Pós Graduação.

No ano de 1991, em nova parceria com Fudenberg, escreve Game Theory, que é praticamente um manual para quem gostaria de se aprofundar na Teoria dos Jogos. Aqui, diferentemente das duas outras obras, o foco são as situações em que não há cooperação entre as empresas participantes do mercado, ou seja, nas ações tomadas pelas diferentes firmas quando há mais interesse próprio em prosperar do que em haver qualquer tipo de conluio com quem está no mercado para poder absorver os excedentes dos consumidores. Convém dizer que, tal qual apresentado nesta obra, estes conhecimentos não se resumem ao campo da economia, podem se expandir por exemplo para a ciência política.

Chegando ao ano de 1993 vem o trabalho que acabou definindo sua carreira como sendo realmente inovadora – e o que inclusive o fez, 21 anos depois, entrar para essa lista -: A Theory of Incentives In Procurement and Regulation. Escrito junto a seu parceiro Jean-Jacques Laffont, apresenta todo um arcabouço teórico relacionado a regulação que, tem como um de seus maiores méritos, a capacidade de traduzir para alunos de graduação um ferramental técnico sólido a respeito da regulação de monopólios naturais tais quais o transporte público, as companhias de saneamento e as contratações militares. Em uma estrutura que se mantém do primeiro ao último capítulo, tem-se uma construção lógica e bem encadeada sobre a importância dessa regulação e, ao final, indica caminhos futuros a serem trilhados neste campo.

Para além de contribuições mais amplas como as apresentadas até então, Tirole também fez inserções detalhadas sobre setores específicos, como nas obras The Prudential Regulation of Banks, publicada em 1994 com Mathias Dewatripont, a respeito da regulação sobre empresas do campo da intermediação financeira a fim de dirimir a assimetria informacional entre quem detém os títulos e quem os compra e Competition in Telecommunications, também com o parceiro Jean-Jacques Laffont, mas em 1999, que trata de apresentar de maneira didática (servindo como guia para formuladores de políticas públicas e consultores, por exemplo) como o encarar do setor de telecomunicações como monopólio natural poderia induzir a erros nos incentivos colocados neste mercado.

As contribuições diversas de Jean Tirole então vão desde aspectos setoriais diretos como telecomunicações e bancos até mesmo a teoria dos jogos, organização industrial, finanças corporativas, a verificação de bolhas de mercado, economia comportamental e também a busca por ativos de mais liquidez (esse último tópico rendeu a publicação de um livro, em 2011, escrito com Bengt Holmström, chamado Inside and Outside Liquidity).

Mais recentemente, em 2017, o autor também teve como publicação um livro que traz para o universo de muitas questões que têm ganhado relevância cada vez maior nos últimos anos do dia a dia (tais quais a inovação, o pós crise de 2008, o desemprego e o aquecimento global) uma visão de como a economia poderia ser útil para que, em termos mais amplos, pudéssemos alcançar um bem-comum social. Essa que pode ser considerada uma nova agenda para a economia e sua relação com a sociedade está apresentada em Economics for the Common Good.

Economia não fica presa ao campo teórico!

Dentre as externalidades positivas que a extensa atuação de Jean Tirole apresenta, está o fato de que, diferentemente do que pode ser encarado inicialmente, a economia não é um campo que esteja distante das relações sociais nem mesmo é algo que fica restrita a modelos que nunca terão aplicabilidade prática. A regulação tem relação direta com a realidade dos países e com como, sobretudo em setores com poucos agentes, as regras do jogo podem tornar os serviços prestados mais eficientes.

O didatismo com o qual o autor apresenta os conhecimentos acaba tornando-o ainda mais próximo também de quem se interessa pela economia em níveis acadêmicos mais iniciais, como a graduação. O quase “traduzir do economês” que suas obras apresentam mostram que o ferramental técnico sólido importa muito, mas não precisa servir de símbolo a torres de marfim ou aos deuses do Olimpo econômico.

Em uma última mas breve inserção pessoal, este que aqui escreve gostaria de dedicar o presente artigo a Maurício Jorge Pinto de Souza, por ter sido este o coordenador direto no projeto de estágio FEA-RP/USP-BNDES que, dentre tantas outras coincidências neste vasto mundo, culminou por estimular o interesse em escrever e pesquisar sobre economia e, desta maneira, permitiu com que muito viesse a seguir – inclusive este artigo. Sua passagem jamais será esquecida!

Caio Augusto de Oliveira Rodrigues

Bacharel em Economia Empresarial e Controladoria pela FEA-RP/USP, MBA em Gestão Empresarial pela FGV e Head de Conteúdo deste Terraço Econômico. 

 

 

 

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