A Batalha por Taiwan

Com um exército cerca de dez vezes superior em número de soldados e a maior marinha do mundo, o poder militar chinês é inquestionável. Mas, como a história comprova, superioridade numérica não é sinônimo de vitória, ou, ao menos, de facilidade na guerra.

Segundo o relatório anual de 2021 para o congresso acerca dos desenvolvimentos militares da República Popular da China do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, o orçamento militar chinês é de 209 bilhões de dólares, o que equivaleria a 1,7% do PIB chinês. Desde 2012 o orçamento militar do país mais do que duplicou. No entanto, a inteligência americana acredita que o orçamento militar real do exército chinês pode ser até duas vezes maior do que o declarado oficialmente por Pequim.

O Exército de Libertação Popular conta com cerca de um milhão de soldados, dos quais 416 mil se encontram destacados e prontos para qualquer exercício ou ordens de ataque às regiões costeiras no Estreito de Taiwan. Como apoio, a China dispõe de mais de 6.300 carros de combate e mais de 7 mil peças de artilharia.

Taiwan, por sua vez, tem um orçamento militar anual de 15 bilhões de dólares para servir o seu exército de 88 mil militares, apoiados por 800 carros de combate e 1.100 peças de artilharia. A ilha possui ainda o maior número de reservistas do mundo, com cerca de 1,5 milhões de pessoas treinadas e prontas para servir ao exército taiwanês.

O Exército de Taiwan, apesar do tamanho evidentemente reduzido de tropas e artilharia, treina e prepara-se, com seu contingente, tecnologia e inteligência de defesa quase que exclusivamente para o cenário de uma invasão chinesa há 70 anos, com diversos planos para todos os cenários possíveis, num terreno que conhece melhor que seus inimigos, terreno qual joga muito a seu favor.

Ao contrário da Ucrânia, a geografia de Taiwan não permite que um invasor tenha a facilidade de atravessar uma fronteira sem barreiras naturais e planícies facilmente mapeáveis e trafegáveis, não só pelos mais de 180 km de mar que separam Taiwan da China, mas também por toda a estrutura montanhosa da ilha, pontos inaportáveis e evidentemente vulneráveis para qualquer invasor que terá sua visão limitada e sob ataques de defensores que manterão suas artilharias acima nas montanhas miradas para as praias abertas abaixo.

A Batalha no Céu

A primeira iniciativa de Pequim será tentar o isolamento militar de Taiwan, através dos bloqueios navais e aéreos, para garantir que não cheguem reforços à ilha. Esse isolamento, ainda segundo o relatório do Pentágono, inicia com o controle dos céus. Muito provavelmente a primeira fase do conflito seria marcada por uma chuva de bombardeiros aéreos e navais, com sistemas de mísseis de alta precisão e velocidade, com os ataques focados na infraestrutura de defesa do país, como aeroportos, instalações de radares, depósitos de armamento e posições defensivas de contingentes (parecido com o comportamento russo nos primeiros dias de guerra na Ucrânia).

A força aérea chinesa conta com mais de 2.800 caças de combate, 450 bombardeiros e mais de 400 aviões de transporte.

Taiwan tem em seu arsenal cerca 500 caças, 30 aviões de transporte e 237 helicópteros para defender o céu do país.

Um estudo do Naval War College aponta que, nessa fase inicial de invasão, a China faria uso da vasta capacidade de mísseis intercontinentais que conseguem atingir distâncias de até 5.500 km, muito além do necessário para atingir a ilha. O relatório afirma que a vasta maioria deste arsenal será utilizado para suprimir as defesas antiaéreas e antinavios de Taiwan, além da infraestrutura estratégica do país, com o famoso sistema Sky Bow III, com mísseis que atingem velocidade de Mach 7 e com capacidade de abater alvos a 200 km de distância.

Um ataque nuclear chinês em Taiwan é muito pouco provável, mas vale destacar que muitos desses sistemas são capazes de transportar tais ogivas. Estima-se que Pequim possua pelo menos 350 ogivas nucleares, embora as autoridades chinesas garantam que Pequim mantenha a política de que nunca será o primeiro lado numa guerra a utilizar uma bomba atômica.

A Batalha no Mar

A superioridade aérea chinesa não será suficiente para garantir a segurança da grande quantidade de navios necessária para uma invasão completa e bem-sucedida. Além de um número incontável de soldados, a invasão militar da ilha requer o desembarque de milhares de carros de combate e articulações e peças de artilharia, sem contar os outros milhares de veículos logísticos, toneladas de munições e suprimentos. Para isso é necessária uma frota marítima gigantesca, com milhares de embarcações em uma travessia longa em mar aberto.  

A marinha chinesa possui 2 porta-aviões, 32 destruidores, 48 fragatas, 71 submarinos (dos quais 6 são submarinos nucleares). Já Taiwan possui 4 destruidores, 22 fragatas, 2 submarinos e 14 navios de transporte.

Apesar de que, em 2014, a China tornou-se a maior marinha do mundo em número de navios não devemos considerar a China a maior potência naval do mundo. A sofisticação e tecnologia dos navios americanos ainda são incomparáveis com os navios chineses.

O estudo ainda afirma que a estratégia taiwanesa nos combates marítimos no estreito com a China inicia-se e manter-se-á com os ataques através de sistemas de mísseis antinavio. Ataques e métodos de defesa que vão desde disparar mísseis aos navios que se aproximam às minas navais no mar próximo e em seus próprios portos. A quantidade imensa de navios necessários por parte da marinha chinesa para uma invasão eficiente da costa taiwanesa colocaria a frota inimiga em nível de desvantagem, aumentando consideravelmente a dificuldade de aportamento e a vulnerabilidade dos navios chineses.

Somente a título de comparação, o desembarque na Normandia, que é até hoje a maior operação anfíbia da história, é também de uma das maiores operações logísticas de todos os tempos, ao envolver 1.200 aviões que transportavam tropas paraquedistas e 5.000 navios de transporte com mais de 160 mil soldados. Qualquer tentativa de desembarque chinesa em Taiwan teria que ser consideravelmente maior, com o exército chinês tendo que lidar com um rival que possui mísseis de alta precisão e radares extremamente modernos e avançados e que se prepara para essa guerra há mais de 70 anos.

A Batalha na Terra

Além de conseguir colocar uma grande quantidade de soldados no terreno, capturar e defender o território, além de conseguir manter as áreas protegidas até a chegada de mais suprimentos e reforços, é também necessário levar equipamentos e suprimentos cruciais para manter as conquistas territoriais e suporte às tropas. Em Taiwan há regiões costeiras que permitem esse desembarque, mas a maioria delas são seguidas por zonas urbanas rodeadas de elevações e montanhas, o que dá uma vantagem incomparável ao poder estratégico e militar taiwanês, que sem dúvidas irá utilizar a altura dessas montanhas como visão para bombardear o invasor que estará desembarcando.

Com as principais áreas costeiras sendo urbanas e densamente habitadas, isso acaba dificultando um possível avanço rápido, o que também viabiliza ao defensor uma zona de defesa de alto conhecimento e de difícil atrito, tornando as batalhas de conquista em batalhas de guerrilha, atrasando e dificultando qualquer tipo de avanço rápido e de assalto.

Isso sem falar na ciberguerra, em que Taiwan terá que enfrentar uma China com tecnologia extremamente avançada e treinada em atacar estruturas de tecnologia da informação dos países ocidentais. A inteligência de Pequim sem dúvidas irá aplicar ataques contra as principais infraestruturas tecnológicas, não só como aeroportos e operadoras de telefonia e internet, mas também as centrais elétricas, os bancos e as estruturas econômicas do país.

A Batalha de Taiwan é real?

Quando a líder do Congresso americano, terceira na linha de sucessão da presidência dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, pousou em Taipei causando a mais recente crise política entre as duas maiores potências econômicas do mundo, afirmou que a “solidariedade da América para com Taiwan é mais importante que nunca”.

Visita de Nancy Pelosi eleva tensão em Taiwan e põe mundo em alerta | VEJA
Nancy Pelosi pousando para a foto, após pouso em Taiwan. Foto: Veja

Além dessa demonstração evidente de apoio, os principais líderes americanos não cansam de afirmar que participariam ativamente na defesa de Taiwan em caso de uma tentativa de invasão ou ataques vindos da China.

Mas, em essência, a China não vê os taiwaneses como inimigos reais e a ilha não terá valor aos chineses se destruírem excessivamente sua infraestrutura, suas cidades, empresas e estabilidade econômica. Sobretudo as indústrias de semicondutores e processadores avançados (que estão em tudo, desde carros e computadores até eletrodomésticos, e que 84% da produção mundial está no país) que tornam Taiwan tão importante e estratégico para a manutenção e o equilíbrio de toda a economia global (que já está bastante abalada pós pandemia e guerra na Ucrânia).

E, em uma guerra que em todos os seus meios demonstra-se extremamente difícil de ser vencida, e onerando não só a estabilidade econômica e geopolítica atual, mas principalmente todos os seus participantes, à China parece não restar muitas opções a não ser manter-se irritada e ameaçadora, como sempre, mas, realmente, nada muito além disso. Pelo menos por enquanto.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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